sexta-feira, 31 de julho de 2015

DESCRIÇÃO





Há uma água clara que cai sobre pedras escuras
e que, só pelo som, deixa ver como é fria.

Há uma noite por onde passam grandes estrelas puras.
Há um pensamento esperando que se forme uma alegria.

Há um gesto acorrentado e uma voz sem coragem,
e um amor que não sabe onde é que anda o seu dia.

E a água cai, refletindo estrelas, céu, folhagem...
Cai para sempre!

E duas mãos nela mergulham com tristeza,
deixando um esplendor sobre a sua passagem.

(Porque existe um esplendor e uma inútil beleza
nessas mãos que desenham dentro da água sua viagem
para fora da natureza,

onde não chegará nunca esta água imprecisa,
que nasce e desliza, que nasce e desliza...)



Cecília Meireles
In 'Viagem'

sábado, 11 de julho de 2015

FLOR PEQUENINA




Flor pequenina,
Aberta no meio do lindo canteiro,
Porque será
Que, sendo tu tão pequenina,
Foi a ti que vi primeiro?
À tua volta,
Flores maiores,
Mais belas, talvez e perfumadas,
Quase te escondem ...
Tímida,
Como que te encolhes no meio delas;
E contudo,
Foi a ti que vi primeiro:
Só por seres pequenina, decerto!
Flor pequenina do meu jardim:
Deixa-me ser, como tu,
Pequenino!

Joaquim do Carmo
De: Amanhecer pelo Fim da Tarde

quinta-feira, 2 de julho de 2015

FADOS CONTRÁRIOS



Fotografia de Nelci Kaletka


Diz à flor a borboleta:
‘Vamos, irmã, tudo é luz!
Há muito prisma doirado
Que pelos ares transluz…

Tuas pétalas são asas,
Das nuvens nas tênues gazas,
D’aurora nos seios nus
Tens um ninho entre perfumes…

Vamos boiar, entre os lumes
Desses páramos azuis’.
À linda fada dos ares
Responde a silvestre flor:

‘Eu amo o gemer das auras
E o beijo do beija-flor…
Se és do céu a violeta,
Sou da terra a borboleta...

Sigo um destino menor.
Buscas o céu – eu a alfombra,
Queres a luz – eu quero a sombra,
Pedes glória – eu peço amor’...”

*Castro Alves*
Em “Poesias Completas”,