quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

PARA O NATAL



Para o Natal reserve os mais belos
gestos,
a dança mais cristalina,
escolha uma estrela longínqua,
que ainda não tenha sido descoberta,
para enfeitar a festa.

Embrulhe palavras com luz
e oferte a quem ama:
não há presente mais certo.

E que caibam na mesa
os que já se foram,
os que ainda não chegaram
e os que enchem a casa de sol.

Para o Natal pinte as mãos
com sua cor preferida
e distribua beijos
como vagalumes
para lembrar o homem
que nesta hora, em algum lugar
distante no tempo,
transformava água em vinho
e multuplicava os peixes.

Roseana Murray,
do blog da autora

domingo, 15 de dezembro de 2013

VAZIO



Há certos dias
Que sinto em min’alma
Um vazio infinito,
Um vazio sem sentido,
Um vazio indefinível,
Vazio dos ventos e procelas,
Vazio que vem de longe
Cuja origem desconheço,
Maior,
Muito maior que a solidão...

Há certos momentos
Que sinto dentro de mim
Um vazio talvez originário das vagas,
Dos grandes mares
E que às vezes me inunda,
Quase me faz soçobrar...

Há certas horas
Que sinto dentro de mim
Um vazio que se agiganta,
Diante do qual me sinto pequenino
E comparo este vazio tão grande
Ao vazio da hora do adeus...

Mas existe,sim,
Um vazio,
Muito maior do que todos os vazios,
E que se alojam no âmago dos corações,
O vazio imenso da saudade!...

Olimpyades Guimarães Corrêa
Em Neblina do Tempo -1.996


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A LUA POR TRÁS DA TORRE



A lua por trás da torre
Faz a torre diferente.
A verdade, quando morre
Morre só porque não mente.

Mente a lua que se esconde
Por trás da torre de aqui,
Mente a torre porque é onde
A lua não está ali.

A lua é só um reflexo
A torre é um vulto somente,
E assim, num íntimo nexo,
Qualquer diz verdade e mente.

E é desta mista incerteza
De verdade e de mentira
Que nasce toda a beleza ―
Que desta hora se tira.

Saibamos, dando guarida
Ao que tudo é de metade,
Fazer bela a nossa vida
Mentindo com a verdade.

Fernando Pessoa, 
in Poesia




domingo, 8 de dezembro de 2013

CAVALGADA




Meu sangue corre como um rio
num grande galope,
num ritmo bravio,
para onde acena a tua mão.

Pelas suas ondas revoltas,
seguem desesperadamente
todas as minhas estrelas soltas,
com a máxima cintilação.

Ouve, no tumulto sombrio,
passar a torrente fantástica!
E, na luta da luz com as trevas,
todos os sonhos que me levas,
dize, ao menos, para onde vão!



Cecilia Meireles,
in Viagem


DISTÂNCIAS PERDIDAS



Iluminados por luz que nasce na distância
E largados à vontade sem destino
Cavalgamos campos e relvados
Vazios de montes ou vales aguados.
A colheita de horizontes é farta
Mas inatingível para a fome de repouso.
No céu os mares sonolentos ou raivosos,
Na terra, do canto morto e irrevelado
Nascem braços como espigas ressecadas,
Na paisagem
Exuberante cresce a solidão
Sem deixar rastros da nossa passagem.

Adalgisa Nery
In Erosão (1973)

sábado, 7 de dezembro de 2013

MISTÉRIO


Há vozes dentro da noite que clamam por mim,
Há vozes nas fontes que gritam meu nome.
Minha alma distende seus ouvidos
E minha memória desce aos abismos escuros
Procurando quem chama.
Há vozes que correm nos ventos clamando por
mim.
Há vozes debaixo das pedras que gemem meu
nome
E eu olho para as árvores tranqüilas
E para as montanhas impassíveis
Procurando quem chama.
Há vozes na boca das rosas cantando meu nome
E as ondas batem nas praias
Deixando exaustas um grito por mim
E meus olhos caem na lembrança do paraíso
Para saber quem chama.
Há vozes nos corpos sem vida,
Há vozes no meu caminhar,
Há vozes no sono de meus filhos
E meu pensamento como um relâmpago risca
O limite da minha existência
Na ânsia de saber quem grita.

Adalgisa Nery
In ‘Cantos da Angústia’ (1948)


terça-feira, 3 de dezembro de 2013

VENTO



Às vezes ouço passar o vento;
e só de ouvir o vento passar,
vale a pena ter nascido.


Fernando Pessoa

domingo, 1 de dezembro de 2013

O CISNE



Este sacrifício de avançar
pelos feixes do irrealizado
lembra um cisne, altivo a caminhar.

E a morte ― esse nada mais buscar
do chão diariamente repisado ―
lembra a sua angústia de pousar

sobre as águas que o recebem mansas
e cedem sob ele, em suaves tranças
de marolas que cercá-lo vêm;
enquanto ele, calmo e independente,
segue sempre majestosamente
como ao seu próprio capricho lhe convém.


Rainer Maria Rilke
in Poemas. Trad. Geir Campos.