sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

POEMA DO NATAL



PARA ISSO fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinícius de Moraes
em O Operário em Construção e Outros Poemas

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

MERGULHO



Almejo mergulhar
na solidão e no silêncio,
para encontrar-me
e despojar-me de mim,
até que a Eterna Presença
seja a minha plenitude.

Helena Kolody,
de Sempre Palavra

NATAL DE 1971



Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?

Jorge De Sena
In Versos e Alguma Prosa

CITAÇÃO




"A infelicidade tem isto de bom:
faz-nos conhecer os verdadeiros amigos."

Honoré de Balzac

domingo, 16 de dezembro de 2012

ESTIVAL



Entre uma data e outra
a leitura dos gregos. Eles
sabiam-no. Por isso
me comove a visão
da primeira vinha.
O vinho bebo-o, cor de cravo,
em mesa de granito
por entre a espiral das cepas,
aroma acidulado rescendendo
ao paladar da aurora.
De olhos na terra.
Este é o seu sangue.

Rui Knopfli

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

FRONTEIRA



De um lado terra, doutro lado terra;
De um lado gente; doutro lado gente;
Lados e filhos desta mesma serra,
O mesmo com os olha e os consente.

O mesmo beijo aqui; o mesmo beijo além;
Uivos iguais de cão ou de alcateia.
E a mesma lua lírica que vem
Corar meadas de uma velha teia.

Mas uma força que não tem razão,
Que não tem olhos, que não tem sentido,
Passa e reparte o coração
Do mais pequeno tojo adormecido.

Miguel Torga

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

BRASIL




Pátria de imigração.
É num poema que te posso ter...
A terra - possessiva inspiração;
E os rios - como versos a correr.

Achada na longínqua meninice,
Perdida na perdida juventude,
Guardei-te como podia:
na doce quietude
Da força represada da poesia.

E assim consigo ver-te
Como te sinto:
Na doirada moldura de lembrança,
O retrato da pura imensidade
A que dei a possível semelhança
Com palavras e rimas de saudade.

Miguel Torga

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

"FELICIDADES"




Pequenas felicidades
passeiam por nossos dias
como joaninhas na palma
da mão,
como um desenho de orquídea
trazido pelo vento.
Para não desperdiçá-las
há que estar sempre atento,
caminhar vagarosamente
pelos contornos da tarde,
encher os bolsos com a areia
dourada do tempo.

Roseana Murray
In Poemas para ler na escola

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

CITAÇÃO



"A natureza não faz nada em vão."

Aristóteles

domingo, 9 de dezembro de 2012

" TOADA"



As folhas se amontoam
no canto do muro.

Os anos se amontoam
no canto da vida.

Vida afora, amontôo
desafinações
em grandes toadas.

Só...

Quero uma toalha úmida,
como telhas depois da chuva.
E fria, como bonecos de neve.

Para, às quedas,
cobrir meu desespero
inteiro e nu.
 

 Jairo De Britto, 
em "Dunas de Marfim"

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

TRIBUNAL



Somos nós os culpados do que somos.
E é de mim que me queixo.
Tão intensa foi sempre a minha voz,
Que ninguém a entendeu.
Por isso, quanto mais água pedi,
Mais distante me vi
De cada fonte que me apeteceu.

E agora é tarde, já nem sede tenho.
Ou tenho-a como os cactos:
Eriçada de espinhos.
Olho de longe a bica tentadora,
Adivinho-lhe o gosto e a frescura,
E é de borco na areia abrasadora
Que refresco a secura.

Miguel Torga
in Obra Completa

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A CASA DO TEMPO PERDIDO




" Bati no portão do tempo perdido,
ninguém atendeu.
Bati segunda vez e mais outra e mais outra.
Resposta nenhuma .

A casa do tempo perdido está coberta de hera
pela metade; a outra metade são cinzas.
Casa onde não mora ninguém,
e eu batendo e chamando pela dor de chamar 
e não ser escutado.

Simplesmente bater.
O eco devolve minha ânsia de entreabrir 
esses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar,
no bater e bater .


O tempo perdido certamente não existe.
É o casarão vazio e condenado."


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

QUEIXA



Vida!
Que te pedi a mais
Que um mortal não mereça?
Ou queres que nenhum filho
Conheça
A plenitude?
Pude
O que me consentiste.
Mas vou triste
Do mundo.
Cavei,
Cavei,
E abri um poço sem chegar ao fundo.


Miguel Torga
in Obra completa

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

CÂNTICO




Mundo à
nossa medida
Redondo como os olhos,
E como eles, também,
A receber de fora
A luz e a sombra, consoante a hora

Mundo apenas pretexto
Doutros mundos.
Base de onde levanta
A inquietação,
Cansada da uniforme rotação
Do dia a dia.
Mundo que a fantasia
Desfigura
A vê-lo cada vez de mais altura.

Mundo do mesmo barro
De que somos feitos.
Carne da nossa carne
Apodrecida.
Mundo que o tempo gasta e arrefece,
Mas o único jardim que se conhece
Onde floresce a vida.


Miguel Torga
in Obra Completa

domingo, 2 de dezembro de 2012

ALEGRIA




Há alegria no sol que num triunfal rompante
como um broto de luz que rompesse as entranhas
da terra, - surge além pelas sombras, distante,
a incendiar como um louco a encosta das montanhas!

Há alegria no mar onde as conchas apanhas!
Na noite mansa e azul, silenciosa e brilhante,
e nas nuvens que no ar tomam formas estranhas,
nas mãos ágeis do vento irrequieto e inconstante!

Há alegria nas ruas, nas flores, - nas aves
que enchem ramos e céus de melodias suaves,
e em meus olhos tristonhos refletindo os teus...

Alegria não há, no entanto, mais completa
que essa que canta e ri no coração de um Poeta
quando ao findar de um poema se imagina Deus!


JG de Araujo Jorge
in "Amo!' (1938)