sexta-feira, 31 de agosto de 2012

MIGUEL DE SOUZA TAVARES



" (...)
E de novo acredito que nada do que é importante
se perde verdadeiramnete .
Apenas nos iludimos ,julgando ser donos das coisas ,
dos instantes e dos outros .
Comigo caminham todos os mortos que amei ,
todos os amigos que se afastaram , todos os dias felizes
que se apagaram .
Não perdi nada , apenas a ilusão que tudo podia
ser meu para sempre ."

Miguel Souza Tavares
in " Eternamente "

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

WILLIAM BLAKE



“Quando vozes de crianças se ouvem na relva,
E risos se ouvem nas colinas
Meu coração descansa no meu peito,
E todo o resto fica sereno”.

William Blake ,
in Canções da Inocência e da Experiência

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

ESCRITO COM TINTA VERDE



A tinta verde cria jardins, selvas, prados,
folhagens onde gorjeiam letras,
palavras que são árvores,
frases de verdes constelações.

Deixa que minhas palavras, ó branca, desçam e te cubram
como uma chuva de folhas a um campo de neve,
como a hera à estátua,
como a tinta a esta página.

Braços, cintura, colo, seios,
fronte pura como o mar,
nuca de bosque no outono,
dentes que mordem um talo de grama.

Teu corpo se constela de signos verdes,
renovos num corpo de árvore.
Não te importe tanta miúda cicatriz luminosa:
olha o céu e sua verde tatuagem de estrelas.

Octavio Paz
(Trad. Haroldo de Campos)


terça-feira, 28 de agosto de 2012

A ADIADA ENCHENTE




Velho, não.
Entardecido, talvez.
Antigo, sim.
Me tornei antigo
porque a vida,
tantas vezes, se demorou.
E eu a esperei
como um rio aguarda a cheia.


Mia Couto

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

MÚSICA NO AR



"É a música.
De algum lado virá, é impossível que
não venha do avesso da morte;
com esse cheiro a resina deve ter
atravessado os lúcidos bosques do
verão, acolhido, nas suas pausas,
o ardor das colinas nevadas.
É a música.
Procura-me. Terna, violenta,
leva-me nas suas águas.
Fundas. Frescas."


Eugénio de Andrade,
in As Colinas Nevadas

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O ETERNO MISTÉRIO



Desde a a tarde violácea em que partiste
Para tão longe, para não sei onde,
Eu vivo a interrogar, calado e triste,
A natureza que me não responde.

Falo à estrela no espaço, à flor na fronde,
A perguntar em vão se o céu existe;
E tudo que a luz mostra e a treva esconde
À voz da minha súplica resiste.

Se há um mundo divino, além do humano,
Indago; e o vento, as águas, o arvoredo,
Têm o mesmo mistério soberano...

A vida não revela esse segredo,
Que a morte oculta num sombrio arcano,
Que enche os homens de dúvida e de medo.


Da Costa e Silva

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O SILÊNCIO



Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.


Eugénio de Andrade,
in Obscuro Domínio

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

OUTROS SONETOS



O cisne naquela hora extrema, quando
vem caindo a perpétua noite escura,
Do espesso bosque a solidão procura,
Saudosissimamente suspirando.

E o novo som melodioso e brando,
Cheio só de desgosto e mágoa pura,
Os piedosos peitos sem ventura
Ao longe e ao perto vai dilacerando.

Assim também, sujeito à dura sorte,
Espalho o meu queixume no ambiente,
Para que me alivie e me conforte.

Sinto a mesma tristeza que a ave sente.
Pois amor torna a vida numa morte,
Que tortura e mata lentamente.


José de Abreu Albano
in Rimas

terça-feira, 21 de agosto de 2012

VAZIO




Há certos dias
Que sinto em min’alma
Um vazio infinito,
Um vazio sem sentido,
Um vazio indefinível,
Vazio dos ventos e procelas,
Vazio que vem de longe
Cuja origem desconheço,
Maior,
Muito maior que a solidão...

Há certos momentos
Que sinto dentro de mim
Um vazio talvez originário das vagas,
Dos grandes mares
E que às vezes me inunda,
Quase me faz soçobrar...

Há certas horas
Que sinto dentro de mim
Um vazio que se agiganta,
Diante do qual me sinto pequenino
E comparo este vazio tão grande
Ao vazio da hora do adeus...

Mas existe,sim,
Um vazio,
Muito maior do que todos os vazios,
E que se alojam no âmago dos corações,
O vazio imenso da saudade!...

Olympiades Guimarães Corrêa

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

FRIEDRICH NIETZSCHE



“Não nos deixaríamos queimar por nossas opiniões:
não estamos tão seguros delas.
Mas, talvez, por podermos ter nossas opiniões
e podermos mudá-las”.

Friedrich Wilhelm Nietzsche

domingo, 19 de agosto de 2012

OCTÁVIO PAZ



O que põe o mundo em movimento é a interação
das diferenças,suas atrações e repulsões; 
a vida é pluralidade, morte é uniformidade.

Octávio Paz

ORTEGA Y GASSET



Surpreender-se, estranhar, é começar a entender.
É o desporto e o luxo específico do intelectual.
Por isso o seu gesto gremial consiste em olhar
o mundo com os olhos dilatados pela estranheza.
Tudo no mundo é estranho e é maravilhoso
para um par de pupilas bem abertas.

Ortega y Gasset,
in A Rebelião das Massas

sábado, 18 de agosto de 2012

LUZ E SOMBRA


Luz e sombra
lutam n'alma.

Só depois do sol ausente,
impera a noite.

Derrotadas
terra e treva,
reina a luz eternamente.


Helena Kolody,
in Viagem no espelho

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A OUTRA FACE DA VIDA



Nada revela o trabalho,
Tão sorrateiro, do tempo,
Nas profundezas do ser.

Como um “iceberg” enorme,
Tudo gira, de improviso.
Muda-se o plano da vida
Pra face desconhecida.

Um ângulo de luz tão difrente
Incide nos mais claros pensamentos...
Quantas lacunas inobservadas,
Com seus abismos desconcertantes !
O que era terra firme e segura,
É gelo móvel e flutuante.


Helena Kolody
In: Correnteza

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

OUTONO



Outono!
Qualquer coisa lilás,
Schumann em violino,
Ângelus tangido em lentidões de sino...
Preguiçoso torpor de um fim de sono.
Espelho de água quieta dos canais!
Cá dentro, a idade,
restos de sonho e de mocidade;
trechos dispersos
de velhas ambições falhas na vida,
parcelas de antigas ilusões
que ainda, a custo, concentro
e invoco até agora!
Lá fora, a descida.
O crepúsculo inócuo destes dias,
a tristeza das folhas amarelas,
e a cantar sobre estas ruínas frias,
a monótona toada de meus versos.
Desce, Poeta!
A descida é suave...
Não te demanda rigidez de músculos
e nem exige que teu passo apresses...
A natureza é quieta,
da ingênua quietação de um sonho de ave,
e há paina nos crepúsculos...
No outono a luz é um eterno poente,
que mais à calma que ao rumor se ajeita;
Brilha, tão de manso e calma,
que até parece unicamente feita
para o estado d'Alma
de um convalescente.


Mário Pederneiras

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

AS TRÊS PALAVRAS MAIS ESTRANHAS



Quando pronuncio a palavra Futuro
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-ser.


Wislawa Szymborska

Tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

NATUREZA HUMANA




Cheguei. Sinto de novo a natureza
Longe do pandemônio da cidade
Aqui tudo tem mais felicidade
Tudo é cheio de santa singeleza

Vagueio pela múrmura leveza
Que deslumbra de verde e claridade
Mas nada. Resta vívida a saudade
Da cidade em bulício e febre acesa

Ante a perspectiva da partida
Sinto que me arranca algo da vida
Mas quero ir. E ponho-me a pensar

Que a vida é esta incerteza que em mim mora
A vontade tremenda de ir embora
E a tremenda vontade de ficar.

Vinícius de Moraes
In Jardim Noturno

domingo, 12 de agosto de 2012

O MEU SILÊNCIO




O meu silêncio é feito de erradias
e pálidas visões crepusculares.
Estranhos vultos rezam litanias
por entre velhas pedras tumulares.

Há mãos que não conheço, mortas, frias,
de leve acarinhando os meus sonhares.
Pelo ar se formam lentas melodias.
Cantam meus devaneios, meus penares...

Em tudo uma paz vaga de canteiros
me traz perfumes da perdida infância:
noites de sortilégios, jasmineiros...

Meu pobre e triste ser se perde em ânsia...
Ó tempos idos, sois como veleiros
aos poucos se perdendo na distância...

Helio Pellegrino
In Minérios Domados


PAULO MENDES CAMPOS



"Meu filho, se acaso chegares, como eu cheguei
a uma campina de horizontes arqueados, não
te intimidem o uivo do lobo, o bramido do tigre;
enfrenta-os nas esquinas da selva, olhos nos olhos,
dedo firme no gatilho.

Meu filho, se acaso chegares a um mundo injusto e triste
como este em que vivo, faze um filho; para que ele
alcance um tempo mais longe e mais puro,
e ajude a redimí-lo."

Paulo Mendes Campos

sábado, 11 de agosto de 2012

SUBLIME SENTIMENTO




Senti
Uma presença que me enche da alegria
Que vem da elevação do pensamento, um sublime
Senso de uma profunda integração
Que residia na luz dos sóis poentes
Por sobre os mares, e pelo ar vibrante
E o céu azul, e pela mente do homem
- Uma vibração e um espírito, que movem
Tudo que pensa, e tudo o que é pensado
E interpenetra todas as coisas

William Wordsworth.

VERSICULOS




I

Vai desfilando a procissão dos dias…
e os dias levam fatos em andores…

II

E com fatos cimentam teorias
os Escribas, os Sábios, os Doutores…

III

E almas ligeiras, simples, erradias,
vão sobre os fatos desfolhando flores…

IV

Cravos e rosas para as alegrias,
goivos e lírios para os dissabores…

V

E soluçantes, pálidas, sombrias,
vão pelos dias perpassando as dores…

Branca de Gonta Colaço

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A FORMA JUSTA



Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo


Sophia de Mello Breyner Andresen
in O Nome das Coisas

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

CANTIGA OUTONAL



Outono. As árvores pensando ...
Tristezas mórbidas no mar ...
O vento passa, brando ... brando ...
E sinto medo, susto, quando
Escuto o vento assim passar ...

Outono. Eu tenho a alma coberta
De folhas mortas, em que o luar
Chora, alta noite, na deserta
Quietude triste da hora incerta
Que cai do tempo, devagar ...

Outono. E quando o vento agita,
Agita os galhos negros, no ar,
Minha alma sofre e põe-se aflita,
Na inconsolável, na infinita
Pena de ter de se esfolhar ...


Cecília Meireles
In Nunca Mais e Poema dos Poemas

SE PERGUNTAREM POR MIM



digam
-que as raízes de meus ventos dispersaram tantas quimeras
mas que os vendavais de meus dias não perderam ainda suas cores
-que o sol, o mar e as areias da praia fluem
em mim como os acordes de Debussy num fim de tarde
-que todos os azuis e os verdes, às vezes, me habitam
-que, às vezes, sou uma pobre noite sem estrelas puras
-que meus sonhos de tão vagos não encontraram
janelas e nem portas
-que minhas semeaduras se deixam queimar magras,
bem antes que o sol se ponha
-que na musica de tantos dias e noites encontrei
violinos desafinados
-mas que
na chuva, de tão cinza ao cair
descobri nela
toda uma gama de coloração
de vida
rasgando estradas novas em esperança.


Se perguntarem por mim. . .



Alvina Nunes Tzovenos
In: Palavras ao Tempo

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

DESALENTO




Envelheci três anos em três dias!
Tenho a alma a transbordar ! o sofrimento
Fez minhas melhores alegrias
Folhas que leva como faz o vento...

Transmudou-se-me a vida, num momento,
Em tardes silenciosas e sombrias...
A minha voz tornou-se um som nevoento
E as minhas mãos foram ficando frias...

Sou a sombra que uma árvore projeta
Num chão de folhas; árvore formada
Para a fascinação doida de um poeta.

Mas o contraste sempre em tudo existe:
Cantam pássaros no alto da ramada,
A árvore é linda, mas a sombra é triste.

Olegário Mariano,
in Poemas de amor e de saudade

FELICIDADE



Ela veio bater à minha porta
e falou-me a sorrir, subindo a escada:
“Bom dia, árvore velha e desfolhada”
e eu respondi: “Bom dia, folha morta”

Entrou: e nunca mais me disse nada...
Até que um dia (quando pouco importa!)
houve canções na ramaria torta
e houve bandos de noivos pela estrada...

Então chamou-me e disse:“Vou-me embora!
Sou a felicidade! Vive agora
da lembrança do muito que te fiz”

E foi assim que em plena primavera,
só quando ela partiu contou quem era...
E nunca mais eu me senti feliz!


Guilherme de Almeida
in 'Sonetos'

terça-feira, 7 de agosto de 2012

PEDRAS ANTÁRTICAS



Ali termina tudo
e não termina:
ali começa tudo
se despedem os rios no gelo,
o ar se há casado com a neve,
não há ruas nem cavalos
e o único edifício
o construiu a pedra.
Ninguém habita o castelo
nem as almas perdidas
que frio e vento frio
amedrontaram:
é sozinha ali a solidão do mundo,
e por isso a pedra
se fez música,
elevou suas delgadas estaturas,
se levantou para gritar ou cantar,
porém ficou muda.
Só o vento,
o açoite
do Pólo Sul que assobia,
só o vazio branco
e um som de pássaro de chuva
sobre o castelo da solidão.

Pablo Neruda

PAZ



Caminhemos até as árvores... o sonho
Se fará em nós por virtude celeste.
Caminhemos até as árvores; a noite
Nos será branda, a tristeza leve.

Caminhemos até ás árvores, a alma
Adormecida de perfume agreste.
Cala-te, porém, sê piedoso, não fales;
Não despertes os pássaros que dormem. 


Alfonsina Storni
(Livre tradução de Fernando Campanella)

sábado, 4 de agosto de 2012

CHUVA NA MONTANHA



Como caíram tantas águas,
nublou-se o horizonte,
nublou-se a floresta,
nublou-se o vale.

E as plantas moveram-se azuis
dentro da onda que as toldava.

Tudo se transformou em cristal fosco:
as jaqueiras cansadas de frutos,
as palmeiras de leque aberto,
e as mangueiras com suas frondes
de arredondadas nuvens negras superpostas.

O arco-íris saltou somo serpente multicor
nessa piscina de desenhos delicados.

Cecília Meireles
in Mar Absoluto

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

SALMO DO SILÊNCIO



Tão grande é meu silêncio que ouviria
uma hóstia pousar sobre uma nuvem ,
a floração de estrelas no abismo
e o murmúrio de Deus amando o mundo.


Neste convulso silêncio escutaria
uma luz caminhando no infinito
e a tristeza de um anjo abandonado.


Tão puro meu silêncio que escuto
o solitário coração de Deus
fluindo angústia. E às vezes sinto
desdobrar-se em silêncio e mais silêncio
a grande voz a murmurar meu nome
na negra solidão inacessível.


Yttérbio Homem de Siqueira,
in "Abismo Intacto"

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

FINITO E INFINITO




Ente as folhas do outono
e a infinita linha do oceano



cumpre-nos escalar montanhas
decifrar inscrições rupestres
desmontar o teorema, captar
sua argúcia de mestre.



E. inabaláveis, posto que lúcidos,
no finito da carne o agudo vértice
suavizar, e o ardor insano.



Entre as folhas do outono
e a sombra dos ciprestres.



Maria Thereza Noronha,
in A face dissonante