sábado, 28 de março de 2015

ARAUCÁRIA





Nasci forte e altiva,
Solitária.
Ascendo em linha reta
- Uma coluna verde-escura
No verde cambiante da campina.
Estendo braços hirtos e serenos


Não há na minha fronte
Nem veludos quentes de folhas
Nem risos vermelhos de flores,
Nem vinhos estoantes de perfumes.
Só há o odor agreste da resina
E o sabor primitivo dos frutos.


Espalmo a taça verde no infinito.
Embalo o sono dos ninhos
Ocultos em meus espinhos,
Na silente nudez do meu isolamento


Helena Kolody



POEMA DA ÁRVORE





As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.

Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.

As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
E entretanto dar flores.


António Gedeão
in: Obra Poética,



sexta-feira, 27 de março de 2015

CANTIGA OUTONAL





Outono. As árvores pensando ...
Tristezas mórbidas no mar ...
O vento passa, brando ... brando ...
E sinto medo, susto, quando
Escuto o vento assim passar ...

Outono. Eu tenho a alma coberta
De folhas mortas, em que o luar
Chora, alta noite, na deserta
Quietude triste da hora incerta
Que cai do tempo, devagar ...

Outono. E quando o vento agita,
Agita os galhos negros, no ar,
Minha alma sofre e põe-se aflita,
Na inconsolável, na infinita
Pena de ter de se esfolhar ...



Cecília Meireles
In Nunca Mais e Poema dos Poemas


terça-feira, 24 de março de 2015

ANGÚSTIA



O sol se foi embora e a lagoa esquecida
se voltou para dentro de si mesma.


Colombo de Sousa
In: Estágio 1964

segunda-feira, 23 de março de 2015

VERSO AVULSO




Senhor! Que buscas Tu pescar com a rede
das estrelas?

Mario Quintana,
in 80 anos de Poesia



CANÇÃO




Cheguei a concha da orelha
à concha do caracol.

Escutei
vozes amadas
que eu julgava
eternamente perdidas.

Uma havia
que dentre as outras mais graves
tão clara e alta se erguia...

Que eu custei mas descobri
que era a minha própria voz:
sessenta anos havia
ou mais
que ali estava encerrada.

Meu Deus, as coisas que ele dizia!
as coisas que perguntava!

Eu deixei-as sem resposta.

Mario Quintana,
in 80 anos de Poesia






ESTE E O OUTRO LADO




Tenho uma grande curiosidade do Outro Lado.
(Que haverá do Outro Lado, meu Deus?)
Mas também não tenho muita pressa...
Porque neste nosso mundo há belas panteras, nuvens, mulheres belas,
Árvores de um verde assustadoramente ecológico!
E lá - onde tudo recomeça -
Talvez não chova nunca,
Para a gente poder ficar em casa
Com saudades daqui...

Mario Quintana,
in Velório sem defunto -1990


CANÇÃO AZUL



Triste, Poeta, triste a florinha azul que sem querer
Pisaste no teu caminho. . .
Miosótis, - disseste, inclinado um instante sobre ela.
E ela acabou de morrer, aos poucos, dentre a relva úmida.
Sem nunca ter sabido que se chamava miosótis.
Nem que iria impregnar, com o seu triste encanto,
O teu poema daquele dia. . .


Mário Quintana
In: Canções


A CANÇÃO DO MAR




Esse embalo das ondas
Das ondas do mar
Não é um embalo
Para te ninar...

O mar é embalado
Pelos afogados!

O canto do vento
Do vento no mar
Não é um canto
Para te ninar...

São eles que tentam
Que tentam falar!

Tiveram um nome
Tiveram um corpo
Agora são vozes
Do fundo do mar...

Um dia viremos 
Vestidos de algas

Os olhos mais verdes
Que as ondas amargas

Um dia viremos
Com barcos e remos

Um dia...

Dorme, filhinha...
São vozes, são vento, são nada...


Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo




INFÂNCIA



é quando as portas são fechadas
e abertas ao mesmo tempo,
é quando estamos metade na luz
e a outra metade na escuridão,
é quando o mundo real chama
e preferimos outro...

Mario Quintana
in Esconderijos do Tempo


VIDA




Não sei
o que querem de mim essas árvores
essas velhas esquinas
para ficarem tão minhas só de olhar um momento.

Ah! se exigirem documentos aí do Outro Lado,
extintas as outras memórias,
só poderei mostrar-lhes as folhas soltas de um álbum
de imagens:
aqui uma pedra lisa, ali um cavalo parado
ou
uma
nuvem perdida,

perdida,
Meu Deus, que modo estranho de contar uma vida!


Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo







NATUREZA VIVA





Há trovões arrastando pesados móveis, enormes 
cômodos pelo céu. Há outros que trabalhar não é
com eles e ficam resmungando, num desvão .Por 
fim atracam-se. As lâmpadas, lá alto, queimam-se 
em sucessivos relâmpados .Até que tudo vasa e
se extravasa sobre o desespero dos guarda-chuvas
em fuga e a verde alegria das árvores.

Mario Quintana
In Porta Giratória



OS NOMES



Como não lhes interessa o que parece inútil, 
os campônios não dão importância às flores do campo.
É o que parece. Mas a gente fica a perguntar-se
como é que essas flores silvestres conseguiram
então ter nomes populares: margaridas,
amores-perfeitos, coisas assim!


Mario Quintana, 
in Porta Giratória

domingo, 22 de março de 2015

CONTEMPLAÇÃO




Não acuso. Nem perdôo.
Nada sei. De nada.
Contemplo.

Quando os homens apareceram
eu não estava presente.
Eu não estava presente,

quando a terra se desprendeu do sol.
Eu não estava presente,
quando o sol apareceu no céu.
E antes de haver o céu,
EU NÃO ESTAVA PRESENTE.

Como hei de acusar ou perdoar?
Nada sei.
Contemplo
.
Parece que às vezes me falam.
Mas também não tenho certeza.
Quem me deseja ouvir, nestas paragens
onde somos todos estrangeiros?
Também não sei com segurança, muitas vezes,
da oferta que vai comigo, e em que resulta,
pois o mundo é mágico!
Tocou-se o Lírio e apareceu um Cavalo Selvagem.
E um anel no dedo pode fazer desabar da lua um temporal.

Já vês que me enterneço e me assusto,
entre as secretas maravilhas.
E não posso medir todos os ângulos do meu gesto.

Noites e noites, estudei devotamente
nossos mitos, e sua geometria.

Por mais que me procure, antes de tudo ser feito,
eu era amor. Só isso encontro.
Caminho, navego, vôo,
- sempre amor.
Rio desviado, seta exilada, onda soprada ao contrário,
- mas sempre o mesmo resultado: direção e êxtase.
À beira dos teus olhos,
por acaso detendo-me,
que acontecimentos serão produzidos
em mim e em ti?

Não há resposta.
Sabem-se os nascimentos 
quando já foram sofridos.

Tão pouco somos, - e tanto causamos,
com tão longos ecos!
Nossas viagens têm cargas ocultas, de desconhecidos vínculos.

Entre o desejo do itinerário, uma lei que nos leva
age invisível e abriga 
mais que o itinerário e o desejo.

Que te direi, se me interrogas?
As nuvens falam?
Não. As nuvens tocam-se, passam, desmancham-se.
Às vezes, pensa-se que demoram, parece que estão paradas...
Confundiram-se.

E até se julga que dentro delas andam estrelas e planetas.
Oh, aparência...Pode talvez andar um tonto pássaro perdido.
Voz sem pouso, no tempo surdo.

Não acuso nem perdôo.
Que faremos, errantes entre as invenções dos deuses?

Eu não estava presente, quando formaram 
a voz tão frágil dos pássaros.

Quando as nuvens começaram a existir,
qual de nós estava presente?


Cecília Meireles
In: Mar Absoluto








PROVÍNCIA




Cidadezinha perdida
no inverno denso de bruma,
que é de teus morros de sombra,
do teu mar de branda espuma,

das tuas árvores frias
subindo das ruas mortas?
Que é das palmas que bateram
na noite das tuas portas?

Pela janela baixinha,
viam-se os círios acesos,
e as flores se desfolhavam
perto dos soluços presos.

Pela curva dos caminhos,
cheirava a capim e a orvalho
e muito longe as harmônicas
riam, depois do trabalho.

Que é feito da tua praça,
onde a morena sorria
com tanta noite nos olhos
e, na boca, tanto dia?

Que é feito daquelas caras
escondendo o seu segredo?
Dos corredores escuros
com paredes só de medo?

Que é feito da minha vida?
abandonada na tua,
do instante de pensamento
deixado nalguma rua?

Do perfume que me deste,
que nutriu minha existência
e hoje é um tempo de saudade,
sobre a minha própria ausência?

Cecília Meireles,
in Viagem




À HORA EM QUE OS CISNES CANTAM





Nem palavras de adeus, nem gestos de abandono.
Nenhuma explicação. Silêncio. Morte. Ausência.
O ópio do luar banhando os meus olhos de sono...
Benevolência. Inconsequência. Inexistência.

Paz dos que não têm fé, nem carinho, nem dono...
Todo o perdão divino e a divina clemência!
Oiro que cai dos céus pelos frios do outono...
Esmola que faz bem... - nem gestos, nem violência...

Nem palavras.Nem choro. A mudez. Pensativas
abstrações. Vão temor de saber. Lento, lento
volver de olhos, em torno, augurais e espectrais...

Todas as negações. Todas as negativas.
Ódio? Amor? Ele? Tu? Sim? Não? Riso? Lamento?
- Nenhum mais. Ninguém mais. Nada mais. Nunca mais...

Cecília Meireles
In 'Nunca Mais e Poema dos Poemas'1923


PAZ





Caminhemos até as árvores... o sonho
Se fará em nós por virtude celeste.
Caminhemos até as árvores; a noite
Nos será branda, a tristeza leve.

Caminhemos até ás árvores, a alma
Adormecida de perfume agreste.
Cala-te, porém, sê piedoso, não fales;
Não despertes os pássaros que dormem. 


Alfonsina Storni
(Livre tradução de Fernando Campanella)




EXCERTO LITERÁRIO



"Hoje 
estou muito delicada, 
me interessam principalmente, 
flores e passarinhos." 
.
Clarice Lispector





quinta-feira, 19 de março de 2015

MANOEL DE BARROS

Foto by Nilce Kaletka

"As imagens são palavras que nos faltaram." 

Manoel de Barros

terça-feira, 17 de março de 2015

BERTRAND RUSSEL




"O mundo é cheio de coisas mágicas
 pacientemente esperando que nossa
 percepção fique mais aguçada."

  Bertrand Russel

sexta-feira, 13 de março de 2015

15


Foto by Jussara Maria Saade Teixeira

Toda uma eternidade se escoou
antes que estas rosas abrissem.
E toda uma eternidade se escoará
depois que elas fenecerem de todo.
Mas no seu fugitivo instante
de milagre e esplendor

elas são um lampejo
de beleza infinita



Tasso da Silveira,
in Canções à Curitiba



GIRASSOL...





Girassol quando abre flor, geralmente despenca.
 O talo é frágil demais para a própria flor,
 compreende? Como se não suportasse a beleza que
 ele mesmo engendrou.

— CAIO FERNANDO ABREU

terça-feira, 10 de março de 2015

APOTEOSE




No horizonte profundo
mãos invisíveis suspenderam
a cortina sem fim das trevas mortas...

e cem lâmpadas claras se acenderam!

...e a luz radiosa entrou pelas cem
portas do Palácio do Mundo...


Tasso da Silveira,
in Canções à Curitiba
& outros poemas

terça-feira, 3 de março de 2015

NAS CLARAS TARDES DE VERÃO...




Nas claras tardes de verão
em que as arvores tem uma nitidez de desenho à pena
há um silêncio de expectativa
como se uma pedra tivesse parado no ar
ou uma fonte deixasse de correr,
nas claras tardes de verão.

..................................
Apenas as rosas vermelhas
continuam sendo
umas simples rosas vermelhas

Isabel Meyrelles
In ‘Palavras Noturnas e Outros Poemas’