terça-feira, 20 de dezembro de 2016
O NATAL
A festa encenada num presépio familiar
como um anúncio excessivo.
Não é fácil rotular a mensagem de um Deus
comprometido com a humanidade,
que precisou das fraquezas do homem
para se cumprir. Não é fácil.
Por isso, em todos os pinheiros,
há, agora, uma estrela a inquietar o mundo.
Graça Pires
De Ortografia do olhar, 1996
segunda-feira, 25 de julho de 2016
GATOS NÃO MORREM DE VERDADE
Gatos não morrem de verdade:
eles apenas se reintegram
no ronronar da eternidade.
Gatos jamais morrem de fato:
suas almas saem de fininho
atrás de alguma alma de rato.
Gatos não morrem: sua fictícia
morte não passa de uma forma
mais refinada de preguiça.
Gatos não morrem: rumo a um nível
mais alto é que eles, galho a galho,
sobem numa árvore invisível.
Gatos não morrem: mais preciso
- se somem - é dizer que foram
rasgar sofás no paraíso
e dormirão lá, depois do ônus
de sete bem vividas vidas,
seus sete merecidos sonos.
Nelson Ascher,
in Parte alguma, 2005
segunda-feira, 25 de abril de 2016
CASA DE PÁSSARO
casa de pássaro
é pendurada no azul
casa sonora
de cantos e ventos
Roseana Murray,
in "Falando de Pássaros e Gatos"
sexta-feira, 22 de abril de 2016
OS CISNES SELVAGENS DE COOLE
Em sua outonal beleza estão as árvores,
Secas as veredas do bosque;
No crepúsculo de Outubro as águas
Reflectem um céu tranquilo;
Nessas transbordantes águas sobre as pedras
Banham-se cinquenta e nove cisnes.
Dezanove outonos se passaram desde que
Os contei pela primeira vez;
E, enquanto o fazia, vi
Que de repente todos se erguiam
E em largos círculos quebrados revolteavam
As clamorosas asas.
Contemplei esses seres resplandecentes
E agora há uma ferida no meu coração,
Tudo mudou desde o dia em que ouvindo ao crepúsculo,
Pela primeira vez nesta costa,
A alta música dessas asas sobre a minha cabeça
Com mais ligeiro passo caminhei.
Infatigáveis, amante com amante,
Movem-se nas frias
E fraternas correntes ou elevam-se nos ares;
Os seus corações não envelheceram;
Paixão ou conquista solicitam ainda
Seu incerto viajar.
Vagueiam agora pelas quietas águas,
Misteriosos, belos;
Entre que juncos edificarão sua morada,
Junto a que lago, junto a que charco,
Deliciarão o olhar do homem quando um dia eu despertar
E descobrir que voando se foram?
Willian Butler Yeats
Poemasselecção e tradução de José Agostinho Baptista, 1988
terça-feira, 5 de abril de 2016
O MILAGRE DA VIDA
"À escala do cosmo, a espécie humana,
surgida por um acaso infinitesimal,
durará um breve momento. E dentro dele
cada um de nós não chega quase a existir
E no entanto, é por esse instante de
impensável brevidade de duração, que é o
nosso dever mobilizar todo o esforço de
uma intensa atenção para que o melhor
do universo não se destrua. Porque
nesse mínimo está o máximo concebível
da grandeza e do milagre. A vida.
Tão pouco e tão tanto."
Vergílio Ferreira,
in "Espaço do Invisível 5"
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016
PERPLEXIDADE
Perdemos a cor
dos últimos sonhos.
Qual imenso rio
marchamos, incautos, para um longo vazio.
No incerto amanhã
toda a vida
é vã.
Homem
-Guardião da ultima esperança –
que fizeste de tua
imagem e semelhança?
Artur Eduardo Benevides,
in Elegia Setentã e
Outros Poemas de Entardecer
Assinar:
Postagens (Atom)