segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

'XXXV'




Aquele pássaro ronda de novo
a minha janela,
Há tempos que eu não o ouvia.
Seu canto dias já idos me lembra,
Algo como “eu era infeliz
Mas tinha junto de mim a alegria”.

Vai dormir, sonoro amigo,
Já é da noite
a quase sombra que nos fecha.
Vai e se possível
ao Sol de meus dias retorna
(Eu que nunca fui tão feliz
Te confesso:
Agora tenho um anjo triste
A minha volta .)

F.Campanella
Poema da série 'O EU Confesso'

FORAM EMBORA OS PÁSSAROS




Foram embora os pássaros.
Foram embora,
procurando um tempo
onde a luz deflagre em suas asas.
O seu inevitável regresso
há-de acompanhar
a rotação dos ventos.
E quando, nos meus ombros,
nenhum excesso de solidão
me mutilar os braços,
eles hão-de chegar, de novo,
como um incêndio.
Os pássaros.

Graça Pires
De Uma extensa mancha de sonhos, 2008


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

EU TE BAPTIZO EM NOME DO MAR




Eu te baptizo em nome do mar,
disse minha mãe com barcos na voz.
E as ondas enlearam nas águas o meu nome,
abrindo nas fendas do corpo um impulso
salgado que me brandiu o sangue.
Sei agora que há âncoras afogadas
nos meus olhos: nítido eco de todas as demandas.


Graça Pires
De Espaço livre com barcos, 2014


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O PEQUENO PERSA




É um pequeno persa
azul o gato deste poema.
Como qualquer outro, o meu
amor por esta alminha é materno:
uma carícia minha lambe-lhe o pêlo,
outra põe-lhe o sol entre as patas
ou uma flor à janela.
Com garras e dentes e obstinação
transforma em festa a minha vida.
Quer-se dizer, o que me resta dela.

Eugênio de Andrade


MANOEL DE BARROS




Os passarinhos se molhavam de
vermelho na manhã.



Manoel de Barros
 - Compêndio para uso dos pássaros|


quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A CHUVA





Bruscamente a tarde se clariou
Porque já cai a chuva minuciosa.
Cai ou caiu. A chuva é uma coisa
Que sem dúvidas acontece no passado.

Quem escuta cair há recobrado
O tempo em que a sorte venturosa
Lhe revelou uma flor chamada rosa
E a curiosa cor do vermelho.

Esta chuva que cega os cristais
Alegrará em perdidos arredores
As negra uvas de uma videira certamente

Pátio que já não existe. A molhada
Tarde me trai a voz, a voz desejada,
De meu pai que retorna e que não morreu.

Jorge Luis Borges




CHEIRO DE OUTONO




Mais uma vez é um verão que nos abandona,
agonizando num temporal atrasado:
tranquila a chuva rumoreja, enquanto um cheiro
amargo e tímido vem do bosque molhado.

Na relva pálida a liliácea se retesa
em meio a grande profusão de cogumelos;
tem-se a impressão de que se esconde e se retrai
o nosso vale, ontem ainda imenso e belo.

Retrai-se e cheira a timidez e a amargura
o mundo, com toda a claridade perdida:
prontos, olhamos o temporal atrasado,
pois acabou-se o sonho de verão da vida!


Hermann Hesse
In Andares






CHUVA




A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo... Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora...
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.


Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta...
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
se um de nós vai falar e recua depois.


Dentro de nós existe uma tarde mais fria...


Ah! Para que falar? Como é suave, branda,
O tormento de adivinhar — quem o faria? —
As palavras que estão dentro de nós chorando...


Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.


Chove dentro de nós... Chove melancolia...



Ribeiro Couto
São Paulo-1898-1963)






ETERNA CHUVA




Chove lá fora e a chuva apaga a poeira
Da minha estrada que não tem mais fim!
Seria bom que pela vida inteira
Essa chuva caísse sobre mim!


Sinto que a minha estrada sem palmeira,
Deserta, vasta e prolongada assim,
Impulsiona a minha alma sem canseira,
Para o mundo esquisito do senfim!


E eu marcho resoluto para a frente!
Cai-me a chuva nos ombros, de repente
Eu mais apresso a minha caminhada!


E assim prossigo nesse sonho eterno,
Sob a sentença de um constante inverno,
Sem promessas de sol na minha estrada!



Jansen Filho
In: Obras Completas











POBRES ROSAS DE SINTRA



Toma essas rosas de Dezembro, agora,
Que ao frio, à chuva, esta manhã colhi,
Elas trazem humildes, lá de fora,
Saudades da montanha até aqui.

Hão de morrer d’aqui a pouco, embora!
Em cada curva onde o perfume ri,
Trazem mais o terno duma hora,
Que um frágil coração bateu em ti.

Aceita-as pois, mas, como a vida é breve
E, um dia, perto, leve e branca a neve,
Há-de cair sobre o teu peito em flor,

(Não vá Dezembro algum murchar-te o encanto)
Deixa tu que eu te colha agora, enquanto
Tens sol, tens mocidade e tens amor.



Nunes Claro 
De "Cinza das Horas"

MANHÃ DE CHUVA




As pessoas 
vão caminhando...
Ares tristes...
Rostos
molhados...

O carro passa
e respinga
o pedestre.

O dia 
está sombrio
e sério...
com a solenidade
dos dias
de chuva!


Delores Pires
In A Estrela e a Busca

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

ANO NOVO





Prepara-se o jardim.
Há um movimento do botão à flor
em câmara lenta.
O rosto pequeno das violetas
esconde seu perfume nas folhas
sussurrando segredos
                    salta o sabiá na aragem
e suplica à rosa de ontem
que não desfolhe seu rubor.

Promete a nova noite
a estrela que quisermos.
O CISNE ? constelação que amamos ?
cintila noutro céu.
                    Entre ar e folhagem
o pedido calado alcança
um pássaro estelar.

Dora Ferreira da Silva,
 in Poesia reunida.



O RIO QUE ME PERCORRE...




O rio que me percorre já não transborda
Passou a época das chuvas lacrimais
As águas correm lentas, as margens observam
Ouve-se novamente o som da floresta
Plantas crescendo lentamente
Os frutos podres caindo por terra
Não há nada de novo ou de velho
O tempo deu consciência á minha tristeza



Martha Medeiros