sábado, 29 de março de 2014
CANTO PRIMAVERIL
Sobre o azul do céu,
Ainda vacilante
Nasce o sol, desperto,
Em seu trono brilhante.
No verde escondido
Pintalga de estrelas,
Pontos fluorescentes,
A minha janela.
Bem seguro ao bico
De andorinha amiga,
Alegre e saltitante,
P’los ramos das árvores
Canta-me ao ouvido,
Como se em segredo,
Em versos de luz:
Vem, é Primavera!
Joaquim do Carmo
in "Amanhecer pelo fim da tarde"
AI... FLORES!
De seda vestidas,
Suaves encantos,
De amantes,
Feiticeiras!
Ai, pétalas ...
As cores
Os cheiros
O toque ...
Ai, beleza! Ai, vida!
Inebriantes,
Terna melodia
De amor, doce paixão ...
Ai...flores, voltem... ao poema
Joaquim do Carmo
De: Amanhecer pelo fim da tarde
sexta-feira, 28 de março de 2014
TRANSPOSIÇÃO
Na manhã que desperta
o jardim não mais geometria
é gradação de luz e aguda
descontinuidade de planos.
tudo se recria e o instante
varia de ângulo e face
segundo a mesma vidaluz
que instaura jardins na amplitude.
que desperta as flores em várias
coresinstantes e as revive
jogando-as lucidamente
em transposição contínua.
ORIDES FONTELA
AS NUVENS
As nuvens
não têm preocupação estética.
Sou eu
que as organizo
para meu regozijo esperto.
Elas simplesmente se desfazem
e nem disto sabem
mas eu as estudo, eu as apuro
como Turner
e alguns poetas
que organizaram o entardecer.
A natureza
não tem preocupações morais.
A natureza não mata
nem odeia.
Ou melhor:
mata e ama
de igual maneira
e todo movimento
é desejo
de viver.
A morte
é apenas uma forma estranha
da vida
se refazer.
Affonso Romano de Sant'Anna
In Sísifo desce a montanha
quinta-feira, 27 de março de 2014
A BORBOLETA
Trazendo uma borboleta,
Volta Alfredo para casa.
Como é linda! É toda preta,
Com listas douradas na asa.
Tonta, nas mãos da criança,
Batendo as asas, num susto,
Quer fugir, porfia, cansa,
E treme, e respira a custo.
Contente, o menino grita:
“É a primeira que apanho,
“Mamãe vê como é bonita!
“Que cores e que tamanho!
“Como voava no mato!
“Vou sem demora pregá-la
“Por baixo do meu retrato,
“Numa parede da sala”.
Mas a mamãe, com carinho,
Lhe diz: “Que mal te fazia,
“Meu filho, esse animalzinho,
“Que livre e alegre vivia?
“Solta essa pobre coitada!
“Larga-lhe as asas, Alfredo!
“Vê como treme assustada…
“Vê como treme de medo…
“Para sem pena espetá-la
“Numa parede, menino,
“É necessário matá-la:
“Queres ser um assassino?”
Pensa Alfredo… E, de repente,
Solta a borboleta… E ela
Abre as asas livremente,
E foge pela janela.
“Assim, meu filho! Perdeste
“A borboleta dourada,
“Porém na estima cresceste
“De tua mãe adorada…
“Que cada um cumpra a sorte
“Das mãos de Deus recebida:
“Pois só pode dar a Morte
“Aquele que dá a Vida.”
Olavo Bilac
Em: Poesias Infantis
sábado, 8 de março de 2014
A LUA
Lua mulher:
Há uma grande afinidade
Entre as musas a Virgem Maria e a lua
Talvez o demônio não tenha penetrado na lua
Talvez que a lua não seja tão bela
Como é vista da terra
Não é possível ser poeta sem a lua
A lua influi sobre a afetividade
Não é possível haver amor sem lua:
Sem a lua o mundo acabaria.
Que brancura de lua sobre a pedra.
Murilo Mendes
In Poesia Completa e Prosa
LUAR DE ABRIL
Branco luar de Abril, falena aurifulgente
que espalmas no infinito as asas ideais,
teu lívido fulgor revive-me na mente,
o tempo que passou e que não volta mais ...
Cismando à tua luz, calma e serenamente,
um dia longe ouvi sonoros madrigais ...
Então, eram minh’alma um lago transparente
refletindo o esplendor das plagas siderais.
Crisântemo do azul, inspiração do poeta,
contemplando-te assim, dentro da noite quieta,
o mago rouxinol do Sonho ouvi cantar:
De um momento feliz a gente não se esquece,
branco luar de Abril, a alma não envelhece
e dentro de minh’alma esplende outro luar.
Emiliana Delminda
in ‘Folhas Caídas’
A MAGNÓLIA
Na noite a magnólia
no ramo a magnólia,
no jardim no ramo
a magnólia, a branca,
a chegada, a aconchegada
na noite, a magnólia
na rama do ramo, calma,
magnólia, doce óleo
na noite sem data, a magnólia
arde na noite sem data, a magnólia
brilha no pouso na noite,
na florescência de estar ali,
sem alarme, amarrada ao ramo,
a magnólia plena como um olho
aberto ou fechado ou derramado,
a magnólia na véspera, vespertina,
a magnólia no tempo.
Lindolf Bell
In Incorporações
MULHER
Na face, a geografia da angústia,
Dos pânicos e das medrosas alegrias.
Cada ruga é um presságio.
E auréola da aflição constante
O esplendor dos cabelos brancos.
Uma só raiz para frutos diversos,
Uma só vida para destinos tão complexos,
Um só pranto para dores tão diversas.
O útero que gera o herói, o sábio, o poeta,
O santo, o miserável e o assassino.
Uma só raiz para frutos tão diversos!
O dom da paz em cada gesto
Cai como noites quietas
Sobre a alma em rancor,
Amor acima do amor.
- Adalgisa Nery,
in: Erosão,
sexta-feira, 7 de março de 2014
CREPUSCULAR
faço a pergunta
e a cidade fenece:
o som a voz me chegam
estas:
um dedilhar
e já antigo
perverso
o véu da noite cai
em oitava:
- absoluto desconhecido?
Antonio Fernando De Franceschi
In: A Olho Nu
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Antonio Fernando de Franceschi
quinta-feira, 6 de março de 2014
AS POMBAS
Vai-se a primeira pomba despertada…
Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada…
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada…
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais…
Raimundo Correia (1859-1911)
RUBEM ALVES
"Penso que borboletas, seres alados,
diáfanos e coloridos, devem ser emissários dos deuses,
anjos que anunciam coisas do amor. Imaginei então que
aquela borboleta era um anjo disfarçado que os deuses
me enviavam com uma promessa de felicidade."
- Rubem Alves,
em "Na companhia de Rubem Alves:
livro de anotações para mulheres
quarta-feira, 5 de março de 2014
AS DUAS FLORES
São duas flores unidas
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo,no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.
Unidas, bem como as penas
das duas asas pequenas
De um passarinho do céu…
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.
Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar…
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.
Unidas… Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor
(Castro Alves)
AMO O BRASIL
Amo este céu constelado
Céu do Brasil — manto azul –
Sobre ele, em ouro bordado,
Vê-se o Cruzeiro do Sul.
Amo estas matas virentes
Verdes, de eterno verdor
Onde há frutos recendentes,
De delicioso sabor.
Amo esta água cristalina
Dos rios, viva, a correr,
Fazendo mato e campina
Serra e vale florescer.
As belas árvores amo,
Povoadas de passarinhos,
Onde a vida em cada ramo
Palpita em flores e ninhos.
Água e mata, céu e terra
Flores do campo gentis,
Amo tudo quanto encerra
Meu grande e belo País.
Amo as amáveis cantigas
Que ouvi, criancinha, a cantar,
Em doces vozes amigas,
No berço me acalentar.
Amo a nossa gente boa
Feita só de coração,
Que, por vingança, perdoa
E esquece por compaixão.
Amo os nomes bem-fadados,
Dos que lutaram por nós;
Dos nossos antepassados,
Avós dos nossos avós.
Poetas, sábios e guerreiros
Que a história em seus livros traz,
Nobres heróis brasilleiros
Grandes na guerra e na paz.
Em tudo que amo e bendigo
A minha pátria se vê.
Amo, porque amo! Não digo
Nem que me perguntem por quê.
Amo os meus pais. Necessito
Dizer por que amo os meus pais?
Assim proclamo, assim grito:
Amo o Brasil! Nada mais.
Sinto-o em mim, no mais profundo
Da minh’alma juvenil.
Adoro a Deus; e no mundo
Amo, adoro o meu Brasil.
Bastos Tigre
Em: Antologia Poética,
domingo, 2 de março de 2014
XVIII
Esses inquietos ventos andarilhos
Passam e dizem: "Vamos caminhar.
Nós conhecemos misteriosos trilhos,
Bosques antigos onde é bom cismar...
E há tantas virgens a sonhar idílios!
E tu não vieste, sob a paz lunar,
Beijar os seus entrefechados cílios
E as dolorosas bocas a ofegar..."
Os ventos vêm e batem-me à janela:
"A tua vida, que fizeste dela?"
E chega a morte: "Anda! Vem dormir...
Faz tanto frio... E é tão macia a cama..."
Mas toda a longa noite inda hei de ouvir
A inquieta voz dos ventos que me chama!...
Mario Quintana
in a Rua dos Cataventos
POEMA DO CORAÇÃO
Eu queria que o Amor estivesse realmente no coração,
e também a Bondade,
e a Sinceridade,
e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no coração.
Então poderia dizer-vos:
"Meus amados irmãos,
falo-vos do coração",
ou então:
"com o coração nas mãos".
Mas o meu coração é como o dos compêndios.
Tem duas válvulas (a tricúspida e a mitral)
e os seus compartimentos (duas aurículas e dois ventrículos).
O sangue ao circular contrai-os e distende-os
segundo a obrigação das leis dos movimentos.
Por vezes acontece
ver-se um homem, sem querer, com os lábios apertados,
e uma lâmina baça e agreste, que endurece
a luz dos olhos em bisel cortados.
Parece então que o coração estremece.
Mas não.
Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático,
que esse vento que sopra e ateia os incêndios,
é coisa do simpático.
Vem tudo nos compêndios.
Então, meninos!
Vamos à lição!
Em quantas partes se divide o coração?
Antônio Gedeão
sábado, 1 de março de 2014
AMO A MANSIDÃO
A mansidão eu amo e sempre que entro
pelos ermos umbrais da escuridão
abro os olhos para enchê-los
da doçura dessa paz.
A mansidão eu amo sobre todas
as coisas deste mundo.
Na quietude das coisas eu descubro
um canto enorme e mudo.
E quando elevo os olhos para o céu
no estremecer das nuvens eu encontro,
na ave que cruza o espaço e até no vento
a doçura que flui da mansidão.
Pablo Neruda,
in "Cadernos de Temuco"
FORMIGAS
“ Não precisei de ler São Paulo , Santo Agostinho,
São Jerônimo , nem Tomás de Aquino ,
nem São Francisco de Assis –
Para chegar a Deus .
Formigas me mostraram Ele .”
( Eu tenho doutorado em formigas .)
Manoel de Barros ,
in " Poesia Completa "
PAISAGEM DE APÓS-CHUVA
A relva, os cavalos, as reses, as folhas,
tudo envernizadinho como no dia inolvidável
da inauguração do paraíso...
Mario Quintana,
in Sapato Florido
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