quinta-feira, 31 de maio de 2012

CHAMADO DA POESIA


Ouço a poesia que me chama.
São vozes que passam numa estrada
Agitando lembranças
Que não moravam na lembrança.

Ouço a poesia que me acena.
E vejo alguém, um vulto ao longe,
Dançando.Quem dançará para os meus olhos,
já fatigados e desertos?
Quem dança assim, na noite ardente?
Ó corpo em flor, que o vento em música mudado
Como uma rosa despetala.

Quem canta, assim, na noite rouca?
Quem canta, assim , o amor do mundo celebrando?

Ouço a poesia que me acena!

É efêmero, é o amor da terra,
É o barro, é o limo,
É a forma frágil e mentirosa.
É o seio em flor,
É o cheiro quente,
É a juventude fugitiva,
É o que a poesia transfigura,
É o amor do mundo,
É o grande engano
Que dança

Ouço a poesia que me chama
E me dá a noite,
A noite cálida e exaltada,
Envenenada pela música,
A noite cheia de desejos
Que, como um corpo, se oferece.


Augusto Frederico Schmidt
In ‘Um Século de Poesia’

quarta-feira, 30 de maio de 2012

LIBERDADE



_ Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
a pedir-te, humildemente,
o pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
nem me ouvia.

_ Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
de emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
a fé que ressumava
da oração.

Até que um dia, corajosamente,
olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
saborear, enfim,
o pão da minha fome.
_Liberdade, que estais em mim,
santificado seja o vosso nome.


Miguel Torga,
Diário XII

RUÍNAS





Se é sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair...
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!

E deixa sobre as ruínas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!

Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais alto do que as águias pelo ar!

Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!... Deixa-os tombar... Deixa-os tombar.


Florbela Espanca,
in "Livro de Sóror Saudade"

terça-feira, 29 de maio de 2012

OUTONO



Outono!
Qualquer coisa lilás,
Schumann em violino,
Ângelus tangido em lentidões de sino...
Preguiçoso torpor de um fim de sono.
Espelho de água quieta dos canais!

Cá dentro, a idade,
restos de sonho e de mocidade;
trechos dispersos
de velhas ambições falhas na vida,
parcelas de antigas ilusões
que ainda, a custo, concentro
e invoco até agora!

Lá fora, a descida.
O crespúsculo inócuo destes dias,
a tristeza das folhas amarelas,
e a cantar sobre estas ruínas frias,
a monótona toada de meus versos.

Desce, Poeta!
A descida é suave...
Não te demanda rigidez de músculos
e nem exige que teu passo apresses...
A natureza é quieta,
da ingênua quietação de um sonho de ave,
e há paina nos crepúsculos...

No outono a luz é um eterno poente,
que mais à calma que ao rumor se ajeita;
Brilha, tão de manso e calma,
que até parece unicamente feita
para o estado d'Alma
de um convalescente.


Mário Pederneiras,
in Outono


POEMA DA VIDA



Os anos passam,
As coisas não se repetem,
São como os rios
Que seguem o seu curso,
Suas águas correm sem destino
E jamais voltam as nascentes...
Seria tão bom se a existência
Não fosse semelhante aos rios
Que pudessemos voltar
Voltar pelo menos uma vez,
Às nossas antigas origens,
Às nossas velhas raízes,
Plantar árvores,
Comer frutos,
Vê-las crescerem novamente...
Mas somos passageiros pela terra.
Nascemos como os rios,
Seguimos o nosso curso,
Possuímos enfim uma existência fugaz...
Dirás que tudo não passa de palavras,
De vã filosofia,
Mas é na realidade,
Nós nascemos,
Nós vivemos
E finalmente morremos...
A morte é a maior realidade da vida.


Olympiades G.Corrêa


domingo, 27 de maio de 2012

SINTAXE



Eu me acrescento aos rios e aos rios me descem.
E me acrescento aos peixes. Nele deito
e com os musgos preparo alguns projetos.
Nos liquens boto andaimes que florescem.

E me caso com as pedras , conchas e ecos,
onde as lesmas pernaltas se intumescem.
E me acrescento a todos os espécimes
que se aleitam na orla, entre os insetos.

Ovos de larvas, vespas renitentes
e os mais jovens orvalhos em resíduos
se acendem. Borboletas se acrescentam

à sentaxe de um sol intermitente.
E eu vento, vento algas e libidos.
E em rios me acrescento, onde não venta.


Carlos Nejar
In Amar, A mais alta constelação

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A GRANDE DÚVIDA


Porque hei sofrido tantos golpes rudes,
Às vezes penso que outra vida existe,
Para ficar mais cético e mais triste
Com o meu destino de vicissitudes.

Nem sofrendo, às celestes amplitudes
Hei de ascender à altura que atingiste,
Por não poder, na prova que me assiste,
Aos meus erros opor tuas virtudes.

Assim temo, a evocar-te a imagem linda,
Que após a morte, venha a eternidade
Esta separação tornar infinda...

E, então, o sentimento que me invade,
Sem a esperança de te ver ainda,
É dor eterna, não é mais saudade.


Da Costa e Silva

quarta-feira, 23 de maio de 2012

ALGUÉM



Um homem trabalhado pelo tempo,
um homem que nem sequer espera a morte
(as provas da morte são estatísticas
e não há ninguém que não corra o risco
de ser o primeiro imortal),
um homem que aprendeu a agradecer
as modestas esmolas dos dias:
o sonho, a rotina, o sabor da água,
uma não suspeitada etimologia,
um verso latino ou saxão,
a lembrança de uma mulher que o abandonou
já faz tantos anos
que hoje pode recordá-la sem amargura,
um homem que não ignora que o presente
já é o futuro e o esquecimento,
um homem que foi desleal
e com quem foram desleais
pode sentir de repente, ao cruzar a rua,
uma misteriosa felicidade
que não vem do lado da esperança
mas sim de uma antiga inocência,
de sua própria raiz ou de um deus disperso.

Sabe que não deve olhá-la de perto,
porque há razões mais terríveis que tigres
que lhe demonstrarão seu dever
de ser um desventurado,
porém humildemente recebe
essa felicidade, esse lampejo.

Talvez na morte para sempre sejamos,
quando o pó for pó,
essa indecifrável raiz,
da qual para sempre crescerá,
equânime ou atroz,
nosso solitário céu ou inferno.


Jorge Luis Borges,
in"O Outro, O Mesmo"

NATUREZA MISTERIOSA



Essa voz interior, que sempre ouvimos,
Ainda dizer não pode o que nós somos:
Tudo o que em vão pensamos e sentimos
É a antítese talvez do que supomos.

No seio panteísta de onde vimos,
Árvores – mães de flores e de pomos,
Arbustos e ervaçais, musgos e limos,
Tem o mesmo poder do que dispomos.

Não logramos saber quanto sabemos:
Névoas volúveis, ilusórios fumos,
São as idéias que de tudo temos.

Vindos da mesma essência, do mesmo húmus,
Vivemos de contrastes e de extremos
Sem ter destino, por incertos rumos ...


Da Costa e Silva
in Poesias Completas

OSTRA



Estou num trabalho de ostra.
A areia entrou-me na concha
na carne.

Sangro.

Mas não se vê. O mar é grande
e a pérola
é pequena
embora reluza
como um poema.


Affonso  Romano de Sant’Anna,
in Sísifo desce a montanha

terça-feira, 22 de maio de 2012

O SOM DAS ÁGUAS DOCES



Fazer feito o fiel verdureiro:
equilibrar nos ombros largos
dois cestos; ambulante resoluto -
presença diária no pequeno mundo
da enorme fome dos homens simples.

Conferir, compete ao aventureiro:
cada conta pendurar no avental
de quantos aventam saltar,
de inteiro corpo, na tempestade
da afoita vida dos homens simples.

Atentar, cabe àqueles que expiam
tantas perdas; que sonham oceanos
de inéditos pecados ao pé do altar.
Do profano ao sagrado, cabe àqueles
espionar a fantasia dos homens simples.

Avançar, confere venturas a quantos,
atrevidos, gravam nos seixos dos rios
o inominável, o índigo, o quieto Quasar,
e o som dos espíritos das águas doces -
que banha a vida dos homens simples.


Jairo De Britto,
em “Dunas de Marfim”

ÀS VEZES



Às vezes, quando um pássaro chama
ou entre os ramos algum vento sopra
ou nalgum pátio longe ladra um cão,
por longo tempo eu escuto e me calo.

Minha alma voa para o passado,
para onde, há mil esquecidos anos,
o pássaro e o vento que soprava
mais pareciam meus irmãos e eu.

Minha alma faz-se uma árvore,
um animal, um tecido de nuvens...
Transfigurada e estranha, volta a mim
e me interroga. Que resposta lhe darei?


Hermann Hesse
in: Andares
(Tradução de Geir Campos)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

VIAGEM NAS CORES




Penetraremos no azul e no vermelho.
Mais que a abelha na flor,
nossos olhos viajarão pelos reinos das cores:
nesses campos e oceanos de safira e rubi.


Conheceremos a surda profundidade,
o peso do brilho, da luz contidos no vermelho e no azul.
É outro mundo, de outubro sol, com densidades de água e veludo.
Iremos, de horizonte em horizonte,
Iremos pelo sufocado fogo dos cintilantes tapetes.


(Quando nossos olhos voltarem, seremos, no cotidiano crepúsculo,
como pássaros e sereias
orvalhos de estrelas e ondas
e caídos na areia fosca.)



Cecília Meireles
In: Poesia Completa

ENTRE O CÉU E O MAR


Entre o Céu e o Mar
há um infinito de esperas,
conflito de incertezas,
interrogação de cores,
tristeza no olhar,
prenúncio de paisagens.


Alvina Nunes  Tzovenos
In Sonhos e Vivências

sábado, 19 de maio de 2012

MÁQUINA DO MUNDO



O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.

António Gedeão

MANOEL DE BARROS







Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.

Manoel de Barros,
In “ Retrato do artista quando coisa”.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

ISABEL MEYRELLES


Deixaste que as gaivotas
me mostrassem
as luzes afogadas da cidade
e o secreto jardim
Agora posso partir

Isabel Meyrelles
Palavras noturnas e outros poemas

terça-feira, 15 de maio de 2012

VOZES DO MAR



Quando o sol vai caindo sob as águas
Num nervoso delíquio d´ouro intenso,
Donde vem essa voz cheia de mágoas
Com que falas à terra, ó mar imenso?

Tu falas de festins, e cavalgadas
De cavaleiros errantes ao luar?
Falas de caravelas encantadas
Que dormem em teu seio a soluçar?

Tens cantos d´epopéias? Tens anseios
D´amarguras? Tu tens também receios,
Ó mar cheio de esperança e majestade?!

Donde vem essa voz, ó mar amigo?...
...Talvez a voz do Portugal antigo,
Chamando por Camões numa saudade!


Florbela Espanca
in ‘Mensageira das Violetas’


VULCÕES



Tudo é frio e gelado. O gume dum punhal
Não tem a lividez sinistra da montanha
Quando a noite a inunda dum manto sem igual
De neve branca e fria onde o luar se banha.

No entanto que fogo, que lavas, a montanha
Oculta no seu seio de lividez fatal!
Tudo é quente lá dentro...e que paixão tamanha
A fria neve envolve em seu vestido ideal!

No gelo da indiferença ocultam-se as paixões
Como no gelo frio do cume da montanha
Se oculta a lava quente do seio dos vulcões...

Assim quando eu te falo alegre, friamente,
Sem um tremor de voz, mal sabes tu que estranha
Paixão palpita e ruge em mim doida e fremente!


Florbela Espanca
in ‘Mensageira das Violetas’

FLOR DE CACTO



Flor de cacto, flor que se arrancou
À secura do chão.
Era aí o deserto, a pedra dura,
A sede e a solidão.
Sobre a palma de espinhos, triunfante,
Flor, ou coração?


José Saramago

segunda-feira, 14 de maio de 2012

AS NUVENS E OS SONHOS



Ah! Essas esculturas de gaze do vento,
Sempre errantes entre o céu e a terra,
Como nos sonhos dos homens.


Mario Quintana

CONFISSÃO



De um e outro lado do que sou,
da luz e da obscuridade,
do ouro e do pó,
ouço pedirem-me que escolha;
e deixe para trás a inquietação,
a dor,
um peso de não sei que ansiedade.

Mas levo comigo tudo
o que recuso. Sinto
colar-se-me às costas
um resto de noite;
e não sei voltar-me
para a frente, onde
amanhece.


NUNO JÚDICE,
in Meditação sobre Ruínas


POEMA DE MAIO


O poema
roça o abril da garganta
e multiplica seu tecido
de palavras.
Será um poema de maio.

Terá a luz da palavra
luz
e o brilho da palavra estrela.

Depois
haverá o abraço frio do outono
e o verbo
desaparecerá.


Edival Perrini

quinta-feira, 10 de maio de 2012

ROLINHAS



Rolinhas queixaram-se à minha porta.
Joguei-lhes riso
elas se foram.
Migalhas de pão e sementinhas
semeei nos parapeitos:
ciscando elas choravam
com uma dor tão perto do infinito.
Dei-lhes água
não quiseram –
(o lamento crescia em telhados
canteiros)
e me afligiam.
Chorei e quis afugentá-las. Ficaram.

A árvore cresceu e ramos muitos ramos
e lá vivemos
em silencio e canto.


Dora Ferreira da Silva,
in Poesia Reunida

ESTRADA



A estrada percorre
o bosque
entre árvores mudas
entre pedras opacas
entre jogos de luz
e sombra.

A estrada caminha
e o seu solo
(ancestralmente fundo)
não tem som.

A estrada prossegue
e seu silêncio fixa presença densas
e embriaga
sufocando toda a
memória...


Orides Fontela
in Trevo

AVE DA ESPERANÇA



Passo a noite a sonhar o amanhecer.
Sou a ave da esperança.
Pássaro triste que na luz do sol
Aquece as alegrias do futuro,
O tempo que há-de vir sem este muro
De silêncio e negrura
A cercá-lo de medo e de espessura
Maciça e tumular;
O tempo que há-de vir - esse desejo
Com asas, primavera e liberdade;
Tempo que ninguém há-de
Corromper
Com palavras de amor, que são a morte
Antes de se morrer.


Miguel Torga
In Obra Completa

terça-feira, 8 de maio de 2012

LIBERDADE



O poema é
liberdade

Um poema não se programa
Porém a disciplina
- Sílaba por sílaba -
O acompanha

Sílaba por sílaba
O poema emerge
- Como se os deuses o dessem
O fazemos


Sophia de Mello Breyner Andresen
In Poemas Escolhidos


A MAGNÓLIA


Sem paixão plantei-a no meio
do jardim. Pesado tributo
à insolvência dos dias.

Bandeiras de cor verde-ferrugem
transeunte natureza de amor desvelam
caravela de pássaros e o vento nas ramas
alegre o riso
na onda: o arco-íris.

(Comprei vestidos sem cor
e – pelo verão – esperei
as vergônteas da morte.
A água que bebi era de cinza.)

Nuvens se espedaçam
inflam botões
alvos
sorrisos na relva
e o chá vertido nas flores bebemos
da lembrança.

(Se nasceram luas apenas
é pétalas decepadas
acaso fui eu
acaso fui
eu?)


Dora Ferreira da Silva
In: Poesia Reunida

CANTO



O pássaro cantou
e os ramos vergaram
sob o peso do fruto
e o fruto cantou
sob o peso do pássaro
e o canto pousou
sobre o fruto
e os ramos
cantaram.


Dora Ferreira da Silva

PÁSSARO-POESIA




Carrega-me contigo. Pássaro-Poesia
Quando cruzares o Amanhã, a luz, o impossível
Porque de barro e palha tem sido esta viagem
Que faço a sós comigo. Isenta de traçado
Ou de complicada geografia, sem nenhuma bagagem
Hei de levar apenas a vertigem e a fé:
Para teu corpo de luz, dois fardos breves.
Deixarei palavras e cantigas. E movediças
Embaçadas vias de Ilusão.
Não cantei cotidianos. Só te cantei a ti
Pássaro-Poesia
E a paisagem-limite: o fosso, o extremo
A convulsão do Homem.

Carrega-me contigo.
No Amanhã.


Hilda Hist

domingo, 6 de maio de 2012

NÃO BASTA ABRIR A JANELA




Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.


Alberto Caeiro,

in " Poemas Inconjuntos " 

SAI A PASSEIO


XIX

Sai a passeio,mal o dia nasce,
Bela,nas simples roupas vaporosas;
E mostra às rosas do jardim as rosas
Frescas e puras que possui na face.


Passa.E todo o jardim,por que ela passe,
Atavia-se.Há falas misteriosas
Pelas moitas, saudando-a respeitosas...
É como se uma sílfide passasse!


E a luz cerca-a, beijando-a. O vento é um choro
Curvam-se as flores trêmulas...
O bando das aves todas vem saudá-la em coro...


E ela vai, dando ao sol o rosto brendo.
Às aves dando o olhar, ao vento
o louro cabelo,e às flores os sorrisos dando...

Olavo Bilac


sexta-feira, 4 de maio de 2012

ROSAS



As rosas
(brancas)
as claras rosas
calam-se
e floresce o silêncio.


Orides Fontela


EUGÉNIO DE ANDRADE


...
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus


Eugénio de Andrade