segunda-feira, 28 de abril de 2014

NÃO FORCES A TUA INSPIRAÇÃO



Não forces a tua inspiração.
Deixa a poesia vir naturalmente
e não obrigues a mentir o coração.

Procura ser espontâneo.
A verdadeira beleza
está no que o homem tem de semelhante
com a natureza.


Albano Martins, 
in Antologia Poética

domingo, 27 de abril de 2014

XI



Vê formaram-se sobre todas as águas
Todas as nuvens.
Os ventos virão de todos os nortes.
Os dilúvios cairão sobre os mundos.
Tu não morrerás.
Não há nuvens que te escureçam.
Não há ventos que te desfaçam.
Não há águas que te afoguem.
Tu és a própria nuvem.
O próprio vento.
A própria chuva sem fim . . .


Cecília Meireles
In: Cânticos


sábado, 26 de abril de 2014

TRANSFORMAÇÕES




Sobre o leito frio, 
sou folha tombada 
num sereno rio. 
Folha sou de um galho 
onde uma cigarra, 
nutrida de orvalho, 
rasgou sua vida 
em música – ao vento – 
desaparecida... 

Sobre o leito frio, 
sou folha e pertenço 
a um profundo rio. 
(Pela noite afora, 
vão virando sonho 
músicas de outrora...) 


Cecília Meireles
In: Mar absoluto -1945-

quarta-feira, 23 de abril de 2014

SILÊNCIO. SOLIDÃO. SERENIDADE.




"Quero morrer na selva de um país distante...
Quero morrer sozinho como um bicho!

Adeus, Cidade Maldita,
Que lá se vai o seu poeta.

Adeus para sempre, Amigos...
Vou sepultar-me no céu!

E todos estes que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!"

Mario Quintana
Esconderijos do Tempo - 1980


terça-feira, 22 de abril de 2014

PARÁBOLA



Quando tudo cessou e o céu tornou-se azul
a rosa encheu o céu com o incenso da corola.

Colombo de Sousa
In: Estágio 1964

CREPÚSCULO



-Estrelas não!
Pedaços de almas tristes
Que a noite acende pra enfeitar o céu.

Colombo de Sousa
In: Estágio 1964

terça-feira, 15 de abril de 2014

COMO SE O MAR SE APARTASSE



Como se o mar se apartasse
e revelasse outro mar,
e esse mar outro mar, e os três
fossem só a presunção
de mares consecutivos
despossuídos de praias...
E mares à margem de mares a vir...
Assim a Eternidade.


Emily Dickinson
Tradução de Paulo Mendes Campos

CITAÇÃO



O universo inteiro parece as ondas e marolas sobre a 
superfície de um oceano imenso e profundo.
 Você é esse oceano e, naturalmente, também é a marola,
 mas uma marola que percebeu a sua verdadeira identidade
 como oceano e sabe que, em comparação a essa vastidão
 e profundidade, o mundo das ondas e marolas não é
 assim tão importante. 

Eckhart Tolle

sexta-feira, 11 de abril de 2014

OUTONO




O outono é pomo... É puro pomo o outono.
Pomo de sonho e de recolhimento,
pendendo, longe do amargor violento,
num perdido pomar de sombra e sono.

Há o vento, é certo, o lamentoso vento,
uivando, uivando como cão sem dono.
E a tristeza passando a passo lento
na alameda... E as lembranças. E o abandono.

Mas há também, no outono, essa doçura,
essa total renúncia de oferenda,
esse eterno alheiamento à dor e ao mal,

que faz do pomo uma presença pura
da bondade de Deus na ânsia tremenda,
no degredo da angústia universal.


Tasso da Silveira
Poemas de Antes – l.966 –








CANÇÃO



Quando a alta onda de poesia
veio do arcano profundo,
no pobre e efêmero mundo
o eterno pôs-se a pulsar.
Vidas se transfiguraram,
permutaram-se destinos.
O azul se fez mais etéreo,
estradas mais se alongaram,
silêncio cantou na aldeia
sino ficou a escutar,
moeu trigo a lua cheia,
lampião de rua deu luar,
a água mansa da lagoa
ergueu-se em repuxo límpido
e se esqueceu de tombar,
alvas estrelas em bando
desceram lentas pousando
sobre a terra e sobre o mar.


Tasso da Silveira
in Regresso à Origem (1960).

CANÇÃO



Esse mar tanto sulcado
por meus avós navegantes,
fugindo das praias de antes
ficou dentro em mim guardado.
Pois quanto mais alto e fundo
e perdido é o sonho, vejo
que os barcos todos do mundo
navegam no meu desejo.

Tasso da Silveira
Poemas de Antes – l.966 –


CANÇÃO



Fonte, não beberei de tua água
(À sombra pura
tenho o meu cântaro fresco)
Não beberei de tua água,
mas ouvirei teu canto.
Ouvi-lo-ei com os ouvidos
do teu mistério eterno.
Teu canto é antigo e amanhecente.
É caos e gênese.
E é como o canto
do rouxinol que cantou cem anos,
e o monge ficou escutando em êxtase,
ficou escutando, escutando,
ficou escutando ...


Tasso da Silveira
in Poemas de Antes

quinta-feira, 10 de abril de 2014

DO MEU OUTONO




O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
Perdem-se astros sem luz... Anda em choro a folhagem...
Há desesperos silenciosos de abandono...


O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
E eu sofro a angustia irremediável da paisagem...


O outono vai chegar... O outono vem tão cedo!
Irão morrer flores e estrelas, como as crianças
Tristes e mudas, que impressionam, fazem medo?


O outono vai chegar... Têm vozes do passado
As horas loiras, a cantarem vagarosas,
Com ressonâncias de convento abandonado...


Vozes de sonho, vozes lentas, do passado,
Falando coisas nebulosas, nebulosas...


O outono vai chegar, como um poeta descrente
Que funerais desilusórios acompanha...


O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
Perdem-se astros sem luz... Anda em choro a folhagem...
Há desesperos silenciosos de abandono...


O outono vai chegar... Neva a nevoa do outono...
E eu sofro a angustia irremediável da paisagem... 



Cecília Meireles
In: Baladas para El-Rei (1925)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

ILHA DE COS




Eu sabia que tinha de haver um sítio
Onde o humano e o divino se tocassem
Não propriamente a terra do sagrado
Mas uma terra para o homem e para os deuses
Feitos à sua imagem e semelhança
Um lugar de harmonia
Com sua tragédia é certo
Mas onde a luz incita à busca da verdade
E onde o homem não tem outros limites
Senão os da sua própria liberdade

Manuel Alegre,
in Chegar aqui

QUINTO POEMA DO PESCADOR



Eu não sei de oração senão perguntas
ou silêncios ou gestos ou ficar
de noite frente ao mar não de mãos juntas
mas a pescar.

Não pesco só nas águas mas nos céus
e a minha pesca é quase uma oração
porque dou graças sem saber se Deus
é sim ou não.

Manuel Alegre
In ‘A Praça Da Canção’ ( 1975)






MAS QUE SEI EU



Mas que sei eu das folhas no Outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?

Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono

Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra fogueira qualquer.

Mas eu que sei destas manhãs?
as coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha


Ruy Belo
(In «todos os poemas)





terça-feira, 8 de abril de 2014

A FLOR E A AVE



A flor
e a ave!

Uma quieta,
a outra
esvoaçando em redor...

A flor é alacre,
de pétalas vermelhas!
E a ave
prende nas suas penas
irisadas centelhas...

Lembram dois namorados
que o amor
enleia em fina traça...

- Vede
como a ave esvoaça
em torno da flor!


Saúl Dias
In ‘Obra Poética’ (1980)





NUNCA MAIS



Passa um dia,
e outro a correr atrás dele
e outro e outro...
O tempo a todos impele,
tal o vento
levando, em doida correria,
revoadas de folhas outonais,
folhas de calendários sempre iguais,
uma a uma arrancadas,
perdidas nas estradas...

Nunca mais... Nunca mais...


in Essência


TARDES NO MEU JARDIM



tão lúcidas, quietas,
quase inquietas,
com pequeninos sóis
em cada pétala molhada,
com sombras fugidias...
(Tal os dias
sumindo-se um a um...)

E as canções
que não foram cantadas?
E as rosas decepadas
pelo simum?
E os riscos na parede?
E a sede
numa taça vazia?

E a noite que começa
fria, fria...!


Saúl Dias




TANTAS FLORES



Tantas flores quietas
suspensas desde o tempo ido...!

Aguardam o indefinido,
através horas inquietas,
através horas sem sentido...


E sofrem de agudas setas...


O vago ramo prometido!


Saúl Dias
In: Obra Poética,Sangue (1952)


domingo, 6 de abril de 2014

DUPLO OLHAR



A visão interior pode ir mais longe
Que a exterior. Isto disse São Tomás.
E há a visão interior de olhos abertos,
A de quando desvio o olhar do livro
Para um lugar mais livre, mais distante,
E me parece uma visão divina
A paisagem que vejo todo dia.

Dante Milano, 
in Poesia e prosa

VAZIO



Este céu que me leva ao fim de tudo,
Eternidade vista num momento,
Olhar imenso de consolo mudo,
Aparência que lembra o esquecimento...

Dante Milano, 
in Poesia e prosa

sábado, 5 de abril de 2014

LIBERDADE



Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner
(1919-2004)