terça-feira, 30 de abril de 2013

CONHEÇO A RESIDÊNCIA DA DOR



Conheço a residência da dor.
É um lugar afastado,
Sem vizinhos, sem conversa, quase sem lágrimas,
Com umas imensas vigílias diante do céu.

A dor não tem nome,
Não se chama, não atende.
Ela mesma é solidão:
Nada mostra, nada pede, não precisa.
Vem quando quer.

O rosto da dor está voltado sobre um espelho,
Mas não é rosto de corpo,
Nem o seu espelho é do mundo.

Conheço pessoalmente a dor.
A sua residência, longe,
Em caminhos inesperados.

Às vezes sento-me à sua porta, na sombra das suas árvores.
E ouço dizer:
“Quem visse, como vês, a dor, já não sofria”.
E olho para ela, imensamente.
Conheço há muito tempo a dor.
Conheço-a de perto.
Pessoalmente.


Cecília Meireles




segunda-feira, 29 de abril de 2013

CITAÇÃO


"É hora de partir, meus irmãos, minhas irmãs.
 Eu já devolvi as chaves da minha porta
E desisto de qualquer direito à minha casa.
Fomos vizinhos durante muito tempo e recebi 
mais do que pude dar.
Agora vai raiando o dia e a lâmpada que iluminava
 o meu canto escuro apagou-se.
Veio a intimação e estou pronto para a minha jornada.
Não indaguem sobre o que levo comigo.
Sigo de mãos vazias e o coração confiante. "

Tagore

sexta-feira, 26 de abril de 2013

EÇA DE QUEIROZ



“Não há ideia mais consoladora do que esta 
- que eu, e tu, e aquele monte, e o Sol que,
 agora, se esconde são moléculas do mesmo Todo, 
governadas pela mesma Lei, rolando para o mesmo Fim.” 

―Eça de Queiroz



quinta-feira, 25 de abril de 2013

ESTRADAS



Ass estradas dos pássaros
não são cobertas de barro
ou de cimento
são estradas sulcadas
na macia carne do vento

Roseana Murray

domingo, 21 de abril de 2013

A CORUJA BRANCA


Em minha casa entre as árvores ouço o rumor da noite.
O vento escorraça os astros crepitantes 
As montanhas descem em direção ao mar como rebanhos
que não tivessem esperado a licença da aurora para 
a migração necessária. 
E a erva cresce. E a água corre. E o mundo recomeça 
como uma palavra interrompida. E as nuvens caem do céu 
e rastejam no caminho danificado pelas chuvas de janeiro. 
Um pio atravessa a folhagem murmurante. 
A coruja branca, minha irmã sedentária, 
vigia na escuridão o mundo abandonado 
por tantas pálpebras fechadas. 


Lêdo Ivo

sábado, 20 de abril de 2013

KHALIL GIBRAN



" É errado pensar que o amor vem do companheirismo
 de longo tempo ou do cortejo perseverante.
 O amor é filho da afinidade espiritual e a menos
 que esta afinidade seja criada em um instante,
 ela não será criada em anos, ou mesmo em gerações. "

Khalil Gibran

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O CAMINHO




Vou me inspirar na teia dessa aranha
Para tecer também o meu caminho
Bailando no ar suspenso em desafio
Ao abismo de todos os quadrantes.

Horroriza-me a sina sertaneja
De quem encosta a enxada e se recolhe
À cisma de uma rede contemplando
A estrada deserta e o ar parado.

Mas, não! Rejeito teu modelo, aranha,
Não quero tua trama destinada
A caminhos que levam para nada.

E depois? Ó, depois, o coração,
Ave noturna, encontrará seu ninho
Na igualdade de todos os caminhos.

Miguel Reale
in 'Sonetos da verdade'

quarta-feira, 17 de abril de 2013

INDIFERENÇA



Setenta vezes sete vezes
o céu mudou de tom
nas impermanências do dia.
Mas, e então?...
Melhor para além da retina
eu ser a cor - 

e que as supernovas explodam
na mais gritante, inconsequente
alquimia.

Fernando Campanella

domingo, 14 de abril de 2013

CITAÇÃO



“Os dias talvez sejam iguais para um relógio,
 mas não para um homem.”

Marcel Proust


sábado, 13 de abril de 2013

EPIGRAMA N° 3



Mutilados jardins e primaveras abolidas 
abriram seus miraculosos ramos 
no cristal em que pousa a minha mão. 

(Prodigioso perfume!) 

Recompuseram-se tempos, formas, cores, vidas ... 

Ah! mundo vegetal, nós, humanos, choramos 
só da incerteza da ressurreição. 

Cecília Meireles,
in Viagem

quinta-feira, 11 de abril de 2013

PONTA SECA



Remendo o coração, como a andorinha
Remenda o ninho onde foi feliz.
Artes que o instinto sabe ou adivinha...
Mas fico a olhar depois a cicatriz. 

Miguel Torga
In: Antologia Poética.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

ROSEANA MURRAY (HAICAI)


Sinos na varanda
o rumor azul do mar,
música de vento.

Roseana Murray,
em "O Xale Azul da Sereia".

terça-feira, 9 de abril de 2013

AGENDA



Toda manhã
anoto uma lista
de coisas por fazer:

contas a pagar
cartas, e-mails, telefonemas
carinhos que responder
livros, palestras, entrevistas
ginástica, compras
remédios, terra, flores
consertos domésticos
desculpas, culpas
livros que ler e escrever.

Olho o que arquivo:
- o ontem só cresce
não há pasta que o contenha.
Melhor seria dissolvê-lo
ignorá-lo sem etiqueta
sem tentar decodificá-lo
entendê-lo.

Vai começar a girândola
de um novo dia.
Ponho o sol na alma
vejo da janela
- a lagoa e o mar.

Olho o presente, o futuro.
Mas o passado, que não passa
como agendar?


Affonso Romano de Sant'Anna
in Sísifo desce a montanha

segunda-feira, 8 de abril de 2013

TOM


Quando a noite invade os pássaros,
voos derramam-se em luz:
manhas da manhã,
pouso feito a bico
com mil gravetos de som.

Edival Perrini

sexta-feira, 5 de abril de 2013

VEM VENTO, VARRE



Vem vento, varre
sonhos e morto
Vem vento, varre
medos e culpas. 
Quer seja dia,
quer faça treva,
varre sem pena,
leva adiante
paz e sossego,
leva contigo
noturnas preces,
presságios fúnebres,
pávidos rostos
só covardia.
Que fique apenas
ereto e duro
o tronco estreme
de raiz funda. 
Leva a doçura,
se for preciso:
ao canto fundo
basta o que basta.

Vem vento, varre!

Adolfo Casais Monteiro

quinta-feira, 4 de abril de 2013

OCTÁVIO PAZ



 A poesia é conhecimento, salvação, poder,
 abandono. Operação capaz de transformar 
 o mundo, a atividade poética é revolucionária
 por natureza; exercício espiritual,
 é um método de libertação interior.
 A poesia revela este mundo; cria outro.
 Pão dos eleitos; alimento maldito.
 Isola; une.
 Convite à viagem; regresso à terra natal.
 Inspiração, respiração, exercício muscular.
 Súplica ao vazio, diálogo com a ausência,
 é alimentada pelo tédio, pela angústia e 
 pelo desespero. Oração, litania, epifania,
 presença. Exorcismo,
 conjuro, magia. Sublimação, compensação,
 condensação do inconsciente.
 Expressão histórica de raças, nações, classes.

Octávio Paz,
 de "O arco e a Lira"

segunda-feira, 1 de abril de 2013

HAI-KAI DE OUTONO



Uma borboleta amarela?
Ou uma folha seca
Que se desprendeu e não quis pousar?


Mario Quintana

EMILY DICKINSON


A água se ensina pela sede;
A terra, por oceanos navegados;
O êxtase, pela aflição;
A paz, pelos combates narrados;
O amor, pela cinza da memória
E, pela neve, os pássaros.

Emily Dickinson