sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

VELHICE



 
Uma folha morta.
Um galho, no céu grisalho.
Fecho a minha porta.

Guilherme de Almeida


INFÂNCIA



                 
Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se agora.


Guilherme de Almeida



quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

VIOLETA





Sempre teu lábio severo
Me chama de borboleta!
- Se eu deixo as rosas do prado
É só por ti - violeta!

Tu és formosa e modesta,
As outras são tão vaidosas!
Embora vivas na sombra
Amo-te mais do que às rosas.

A borboleta travessa
Vive de sol e de flores.
- Eu quero o sol de teus olhos,
O néctar dos teus amores!

Cativo de teu perfume
Não mais serei borboleta;
- Deixa eu dormir no teu seio,
Dá-me o teu mel - violeta



Casimiro de Abreu
 
 

O GATO TRANQUILO




Ei-lo, quieto, a cismar, como em grave sigilo,
vendo tudo através a cor verde dos olhos,
onça que não cresceu, hoje é um gato tranqüilo.
A sua vida é um "manso lago", sem escolhos...

Não ama a lua, nem telhado a velho estilo.
De uma rica almofada entre os suaves refolhos,
prefere ronronar, em gracioso cochilo,
vendo tudo através a cor verde dos olhos.

Poderia ser mau, fosforescente espanto,
pequenino terror dos pássaros; no entanto,
se fez um professor de silêncio e virtude.

Gato que sonha assim, se algum dia o entenderdes,
vereis quanto é feliz uma alma que se ilude,
e olha a vida através a cor de uns olhos verdes.


Cassiano Ricardo


terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

AS ROSAS




(XVI)

Não falemos de ti. É inefável 
segundo a tua natureza. 
Outras flores ornamentam a mesa: 
tu a transfiguras.

Num simples vaso és arranjo, 
e eis que tudo muda: 
é talvez a mesma frase, 
mas cantada por um anjo.

Rainer Maria Rilke (1875-1926)





segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

DO AZUL, NUM SONETO




Verificar o azul nem sempre é puro.
Melhor será revê-lo entre as ramadas
e os altos frutos de um pomar escuro
- azul de tênues bocas desoladas.

Melhor será sonhá-lo em madrugadas,
fresco inconstante azul sempre imaturo,
azul de claridades sufocadas
latejando nas pedras - nascituro.

Não este azul, mas outro e dolorido,
evanescente azul que na orvalhada
ficou, pétala ingênua, torturada.

Recupero-o, sem ter, e ei-lo perdido,
azul de voz, de sombra envenenada,
que em nós se esvai sem nunca ter vivido.


Alphonsus de Guimaraens Filho
In Água do tempo
 

sábado, 14 de fevereiro de 2015

NUVENS (I)




Não há uma só coisa que não seja
nuvem. Assim são essas catedrais
de vasta pedra e bíblicos cristais
que o tempo alisa. A Odisséia, veja,
muda como o mar; há algo distinto
a cada vez que a abrimos. Seu velho
rosto já é outro, visto no espelho,
e o dia é um duvidoso labirinto.
Somos os que se vão. A volumosa
nuvem que se desmancha no poente
é a nossa imagem. Incessantemente
a rosa se converte em outra rosa.
Você é nuvem, mar, esquecimento.
E é o que perdeu a cada momento.

Jorge Luis Borges
(Tradução : Marcelo Tápia)

HIBISCOS




Há flores que se comem
como se fossem frutas,
numa comunhão entre
os olhos, a boca e o jardim.
Hibiscos coloridos, caprichosos,
derramam no prato a sua beleza,
passageira como um relâmpago,
e ao morder um hibisco
nos transformamos em poesia.


Roseana Murray
in Abecedário (Poético) de Frutas,







domingo, 1 de fevereiro de 2015

EXCERTO LITERÁRIO.




"Se me pedissem para sugerir um símbolo gráfico para
 a idéia de Tempo, eu indicaria sem hesitação a imagem
 duma oliveira. Por quê? Talvez por  causa de suas
 conotações bíblicas, pelo aspecto sofrido de seus troncos
 e galhos e por tudo quanto o óleo que o fruto dessa 
 árvore produz tem a ver com a vida e a morte: o óleo do
 batismo, o óleo da extrema-unção, enfim, o óleo que
 mantém acesas as lâmpadas, não só a dos templos,
 mas todas as lâmpadas do mundo que iluminam a noite
 dos homens."


- Erico Verissimo, 
em Solo de Clarineta, 1975