sexta-feira, 29 de novembro de 2013
O ETERNO ESPANTO
Que haverá com a lua que sempre que a gente
a olha é com o súbito espanto da primeira vez?
Mario Quintana;
Da preguiça como método de trabalho, 1987
terça-feira, 26 de novembro de 2013
ESSES DIAS CINZAS
Esses dias cinzas
não os passaremos em branco
mas em vermelho,laranja,amarelo,verde
e azul
nas tardes choveremos em lilás.
Chandal Meirelles Nasser
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
MANOEL DE BARROS
( ...)
" O mundo era um pedaço complicado para
o menino que viera da roça .
Não vi nenhuma coisa mais bonita na
cidade do que um passarinho .
Vi que tudo o que o homem fabrica
vira sucata : bicicleta , avião , automóvel .
Só o que não vira sucata é ave ,
rã , pedra .
Até nave espacial vira sucata .
Agora eu penso uma garça branca de brejo
ser mais linda que uma nave espacial .
Peço desculpas por cometer essa verdade ."
Manoel de Barros
in , " Memórias Inventadas "
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
PARA QUE NUNCA MAIS ME RECONHEÇAM
Permaneço no lugar em que os relâmpagos
se incendeiam rente à montanha
e deixo que a terra me seduza.
Depois, posso descer o rio, exausta e frágil,
com o corpo embrulhado nas raízes das giestas
e a boca marcada pelo fogo,
como um sinal de alarme,
para que nunca mais me reconheçam.
Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
CANÇÃO PARA MUSICAR
Por que ficaram as árvores
tão sós e silentes que o vento parou?
Por que de súbito os pássaros
quedaram tão quietos que o luar se apagou?
Foi uma face de estrela
que uma água parada na mata espelhou
Foi a beleza do mundo
que na alma dos poetas, sonhando, cantou.
Tasso da Silveira
Poemas de Antes
domingo, 17 de novembro de 2013
FLAMBOYANTS
Eu não cantei ainda os flamboyants floridos,
alegres, majestosos, multicores,
que ,ao vir da primavera, embevecidos,
policromos, sensuais, adornam-se de flores.
E, enfileirados, vão, floridos e felizes,
balouçando a ramagem espontânea ,
como saudando a rir em rútilos matizes
as amplas avenidas de Goiânia.
E nas quentes manhãs de setembro e de outubro,
quando o vento lhes beija as franças, no alto,
sussuram , musicais, despetalando o rubro
véu de flores vermelhas pelo asfalto.
Gilberto Mendonça Teles
In Poemas Reunidos
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
AS PALMEIRAS
Também o deserto vem
do mar. Não sei em que navio,
mas foi desses lugares
que chegaram ao meu jardim
as palmeiras.
Com o sol das areias
em cada folha,
na coroa o sopro
ainda húmido das estrelas.
EUGéNIO DE ANDRADE
In Ofício de Paciência
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
FELICIDADES
Pequenas felicidades
passeiam por nossos dias
como joaninhas na palma
da mão,
como um desenho de orquídea
trazido pelo vento.
Para não desperdiçá-las
há que estar sempre atento,
caminhar vagarosamente
pelos contornos da tarde,
encher os bolsos com a areia
dourada do tempo.
Roseana Murray,
in Rios da Alegria
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
TEOLOGAL
Agora é definitivo:
uma rosa é mais que uma rosa.
Não há como deserdá-la
de seu destino arquetípico.
Poetas que vão nascer
passarão à forma prima:
a rosa é mística.
Adélia Prado
In Oráculo de Maio
"SE EU FOSSE APENAS. . ."
Se eu fosse apenas uma rosa,
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!
Se eu fosse apenas água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vais desfazendo a minha vida!
Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora!
-de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa. . .
Cecilia Meireles
In: Retrato Natural
CANÇÃO QUASE TRISTE
Brilhou a rosa
No espinhoso galho.
Quem viu? Ninguém.
Nuvens muito altas
Lágrimas de orvalho
Deram-lhe: - de além.
Seca os teus olhos,
No amargo trabalho,
Que a noite já vem.
Vê-te a ti mesmo,
Sê teu agasalho,
Pobre Pero Sem.
Cecília Meireles
In Retrato Natural
A UM JOVEM POETA
Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser
que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças
como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.
Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.
Manuel António Pina,
in “Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança”
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
AS CONCHAS
Saberemos, um dia, como são frágeis.
Sabem de cor o casco dos navios.
Confundem-se com as mãos, na maré-baixa.
Pressentem o fim do verão
pelo morrer dos peixes no labirinto dos corais.
Entre âncoras e algas, navegam.
Tão leves, que o vento se perturba.
Graça Pires
De Labirintos, 1997
ROSA PLENA
Rosa plena. Em glória
de cor
de forma
de febre
de garbo.
Em auréola sobre si mesma
- estática.
Em arroubo diante da luz
- dinâmica.
Enrodilhada em aconchego de concha
buscando o núcleo.
Fugindo-lhe ao cerco
- asas aflantes flamejantes.
Rosa plena.
Turíbulo. Ostensório.
Convite à valsa dos ventos.
Tributo ao círculo - perfeição
de chegar e partir.
Cada pétala é um sonho de retorno.
E as pétalas se avolumam compactas
e esmaecidas logo se despejam
ao longo e ao largo
- no fascínio
do pretérito pelo devir.
Sangue em oblata
no altar maior.
Amor e morte
pela revelação.
Rosa plena.
Poesia
que se fez Carne
Henriqueta Lisboa
in: A Pousada do Ser
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
CANTIGA
Nas ondas da praia
Nas ondas do mar
Quero ser feliz
Quero me afogar.
Nas ondas da praia
Quem vem me beijar?
Quero a estrela d'alva
Rainha do mar.
Quero ser feliz
Nas ondas do mar
Quero esquecer tudo
Quero descansar.
Manuel Bandeira
In:"Poesia reunida"
terça-feira, 5 de novembro de 2013
ESPECTROS
Nas noites tempestuosas, sobretudo
Quando lá fora o vendaval estronda
E do pélago iroso à voz hedionda
Os céus respondem e estremece tudo,
Do alfarrábio, que esta alma ávida sonda.
Erguendo o olhar; exausto a tanto estudo,
Vejo ante mim, pelo aposento mudo,
Passarem lentos, em morosa ronda,
Da lâmpada à inconstante claridade
(Que ao vento ora esmorece ora se aviva,
Em largas sombras e esplendor de sois),
Silenciosos fantasmas de outra idade,
À sugestão da noite rediviva
- Deuses, demônios, monstros, reis e heróis.
Cecília Meireles
In: Espectros (1919
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
ESTA É A GRAÇA
Esta é a graça dos pássaros:
cantam enquanto esperam.
E nem ao menos sabem o que esperam.
Será porventura a morte, o amor?
Talvez a noite com nova estrela,
a pátina de ouro do tempo,
alguma cousa de precário
assim como para o soldado a paz?
Com grave mistério de reposteiros
um augúrio dimana, incessante,
do marulho das fontes sob pedras,
do bulício das samambaias no horto.
No ladrido dos cães à vista da lua,
acima do desejo e da fome,
pervaga um longo desespero
em busca de tangente inefável.
O mesmo silencio da madrugada
prenuncia, sem duvida, um evento
que já não é o grito da aurora
ao macular de sangue a túnica.
E minha voz perdura neste concerto
com a vibração e o temor de um violino
pronto a estalar em holocausto
as próprias cordas demasiado tensas.
Henriqueta Lisboa
In:'A Flor da Morte' (1945-1949)
domingo, 3 de novembro de 2013
AS ÁRVORES
Na celagem vermelha, que se banha
Da rutilante imolação do dia,
As árvores, ao longe, na montanha,
Retorcem-se espectrais à ventania.
Árvores negras, que visão estranha
Vol aterra? que horror vos arrepia?
Que pesadelo os troncos vos assanha,
Descabelando a vossa ramaria?
Tendes alma também... Amais o seio
Da terra; mas sonhais, como sonhamos,
Bracejais, como nós, no mesmo anseio...
Infelizes, no píncaro do monte,
(Ah! não ter asas!...) estendeis os ramos
À esperança e ao mistério do horizonte...
Olavo Bilac
In ‘Tarde’ (1919)
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
XV Para Érico Veríssimo
O dia abriu seu pára-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.
Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua — a Lua! em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado...
Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo... Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!
E eles sonham, imóveis, deslumbrados,
Que são dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranqüila de um açude...
MARIO QUINTANA
In A Rua dos Cataventos, 1940
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