quinta-feira, 31 de outubro de 2013

AS CIGARRAS




Amei-as em silencio, ao fim de cada estio,
Na terrível pureza de seu longo Canto.
E quando a tarde vem, sempre a vestir o manto,
Elas zombam do tempo austero e fugidio.

Enquanto nuvens passam sobre a paz do rio,
Ficam todas cantando, com firmeza e encanto,
Deixando em cada folha um pouco de seu pranto,
Pois de dores é feito o seu fatal cicio.

As formigas, obreiras, sem saber cantar,
Jamais, na dura lida, poderão perdoar
Aquelas que valor não dão às provisões.

E elas, as cigarras, servas da beleza,
Elevam madrigais, louvando a natureza
E dando resplendor a todos os verões.

Artur Eduardo Benevides
In: Elegia Setentã e Outros Poemas de Entardecer

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

FORMIGA



A Pedro Schleder


É um minúsculo inseto: uma formiga.
Sem que ninguém lhe note a faina obscura,
vai construindo, elevando para a altura
o formigueiro – templo e lar – que a abriga.
No titânico heroísmo em que se apura,
não hesita, sequer. E não a instiga
o ardor da glória: nem a inveja e a intriga
incentivo lhe dão para a aventura.
Que alto exemplo de fé no próprio esforço!
Fosse um de nós, e, instante por instante,
do cansaço abatido à força bruta,
pararia, curvando a fronte e o dorso,
a perguntar, de angústia palpitante,
qual a razão de ser daquela luta...


Tasso da Silveira





MAR



Hoje estou como nunca sentindo o mar, o denso mar.
O mar, no seio de cujas solidões os continentes são
como pobres pranchas a que se agarram náufragos.
O mar ainda primitivo, primevo, fresco e verde na
hora em que o mundo se desfaz em poeira antiga.
O mar virginal e vivo, movendo em ritmo cósmico a
massa funda,
ignorando praias e cais, e o pobre humano tumulto,
e as torres e os faróis,
rolando a massa funda como se só ele existisse, e,
no céu, as estrelas,
e cantando o seu canto como se só as estrelas
devessem ouvi-lo,
porque é um canto de eternidade, de plenitude e de força,
como, além dele, só as estrelas sabem cantar
 no seu absoluto silêncio ...


Tasso da Silveira
in Poemas de Antes






quinta-feira, 24 de outubro de 2013

POETA



"- Vai!
Corre o mundo
encostado 
a um bordão de esperanças!

Hão-de ferir-te os pés
as pedras dos caminhos.
Mas entenderás a conversa dos ninhos
e o riso das crianças."


Saúl Dias, in
O universo da Invenção 




quarta-feira, 23 de outubro de 2013

SOSSEGA, CORAÇÃO!



Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, silente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.


Fernando Pessoa
In Novas Poesias Inéditas

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

PERENIDADE



Nada no mundo se repete.
Nenhuma hora é igual à que passou.
Cada fruto que vem cria e promete
Uma doçura que ninguém provou.

Mas a vida deseja
Em cada recomeço o mesmo fim.
E a borboleta, mal desperta, adeja
Pelas ruas floridas do jardim.

Homem novo que vens, olha a beleza!
Olha a graça que o teu instinto pede.
Tira da natureza
O luxo eterno que ela te concede.


Miguel Torga 
in ‘Libertação’

AVENTURANÇA



Ver o mundo de baixo, como um céu
Onde se há-de subir;
Onde a vida nasceu
E onde tem, afinal, de se cumprir.

Erguer os olhos à divina altura
De uma leira de terra semeada;
À imensidão da lura
Onde cresce a ninhada.

Ver astros, tempestades, mitos,
Onde há luas, quimeras, ambições, desejos;
Onde há gritos
E beijos.


Miguel Torga
in ‘Libertação’

OS ANIMAIS



Vejo ao longe os meus dóceis animais. 
São altos e as suas crinas ardem. 
Correm à procura duma fonte, 
a púrpura farejam entre juncos quebrados. 

A própria sombra bebem devagar. 
De vez em quando erguem a cabeça. 
Olham de perfil, quase felizes 
de ser tão leve o ar. 

Encostam o focinho perto dos teus flancos, 
onde a erva do corpo é mais confusa, 
e como quem se aquece ao sol 
respiram lentamente, apaziguados. 

Eugénio de Andrade




HÁ DIAS



Há dias em que julgamos 
que todo o lixo do mundo 
nos cai em cima 
depois ao chegarmos à varanda avistamos 
as crianças correndo no molhe 
enquanto cantam 
não lhes sei o nome 
uma ou outra parece-se comigo 
quero eu dizer : 
com o que fui 
quando cheguei a ser luminosa 
presença da graça 
ou da alegria 
um sorriso abre-se então 
num verão antigo 
e dura 
dura ainda. 


Eugénio de Andrade


domingo, 20 de outubro de 2013

COMO SE A PEDRA



Escuto como se a pedra
cantasse. Como
se cantasse nas mãos do homem.
Um rumor de sangue ou ave
sobe no ar, canta com a pedra.
A pedra nas suas mãos
obscuras. Aquecida
com o seu calor de homem.
O seu ardor
de homem. Escuto
como se fora a minúscula
luz mortal que das entranhas
lhes subisse à garganta.
A sua mortalidade
de homem. Canta com a pedra.


Eugénio de Andrade








MANOEL DE BARROS



“Para encontrar o azul
eu uso pássaros”.

Manoel de Barros


PRIMAVERA E VIDA



Manhã alegre,
canto de cigarra,
sol colorido,
natureza em flor.
É primavera nas nuvens brancas,
no azul festivo.
Borboleta
perpassa o ar
perfumado.
Pousa
na árvore
revestida
de brotos verdes.
É primavera
lá fora,
no pássaro que voa
beijando a flor,
no inseto que zumbe,
nas folhas clorofiladas,
nas pessoas...
É primavera.
Alegria.
Vida...


Delores Pires
In A Estrela e a Busca

SILÊNCIO



"Só o silêncio faz rumor no voo das borboletas."

- Manoel de Barros, 
em "O fazedor de amanhecer"

sábado, 19 de outubro de 2013

ONDE ME LEVAS, RIO QUE CANTEI



Onde me levas, rio que cantei,
esperança destes olhos que molhei
de pura solidão e desencanto?
Onde me leva?, que me custa tanto.
Não quero que conduzas ao silêncio
duma noite maior e mais completa.
com anjos tristes a medir os gestos
da hora mais contrária e mais secreta.
Deixa-me na terra de sabor amargo
como o coração dos frutos bravos.
pátria minha de fundos desenganos,
mas com sonhos, com prantos, com espasmos.
Canção, vai para além de quanto escrevo
e rasga esta sombra que me cerca.
Há outra fase na vida transbordante:
que seja nessa face que me perca. 


Eugénio de Andrade






O ESCÂNDALO DA ROSA



Oh rosa que raivosa 
Assim carmesim 
Quem te fez zelosa 
O carme tão ruim? 

Que anjo ou que pássaro 
Roubou tua cor 
Que ventos passaram 
Sobre o teu pudor 

Coisa milagrosa 
De rosa de mate 
De bom para mim 

Rosa glamourosa? 
Oh rosa que escarlate: 
No mesmo jardim! 


VINÍCIUS DE MORAES 
In Livro de Sonetos, 1967 







sexta-feira, 18 de outubro de 2013

13



O canto dos pássaros, no seio da mata, é branco e fresco.
Lá longe, a cidade arfando
como um pulmão cansado.
Lá longe, ao sol, muros, palácios, Tôrres
são previamente poeira.
Lá longe, o amargor profundo.

O canto dos pássaros, no seio da mata, é puro e novo.

Recria a inocência do mundo.


Tasso Da Silveira
In: Poemas De Antes

12



Um passarinho canta
para o canto perder-se.

Para o canto fundir-se
no éter puro e sereno,
no silêncio das coisas,
no mistério dos seres.

Um passarinho canta
apenas porque é vida:
a vida é apenas canto,
canto efêmero.


Tasso Da Silveira
In: Poemas De Antes

'CÂNTICO DAS ÁGUAS'




Quem quiser cantar as águas, - as águas do
vasto mundo, - Mar há de, antes, cantar.
Antes das águas nascentes, antes das águas
tombantes, antes das águas correntes, antes das
águas dormentes, viva, no cântico, o Mar.
As águas de fonte fluem flébeis, frescas,
Fluidas, finas, como luz de amanhecer.
As águas das cachoeiras, plasma líquido se
escoando, pela “forma” das cachoeiras vão
passando, vão passando: são o ser e o vir-a-ser.
As águas correntes correm, correm, correm,
corem, correm, turvas, torvas, limpas, claras, -
mas seu destino é parar:
depois de correrem tanto, num ímpeto ou num
quebrando, murmurantes ou silentes, vão se diluir
no Mar.
As águas dormentes dormem, as águas dormentes
sonham, as águas dormentes, fundas, dão
vontade de morrer:
as águas dormentes, fundas, dão saudades do
não ser.
Quem quiser cantar as águas, as águas do mundo
vasto, há de o Mar, antes, cantar:
antes das águas nascentes, antes das águas
tombantes, antes das águas correntes, antes das
águas dormentes, - viva, no Cântico, o Mar.
Porque o Mar é sempre novo, sempre virgem,
sempre em “fiat”, e sempre trágico e antigo, e em
plenitude de ser:
só êle o céu todo espelha, só ele o espírito
espelha, só ele ao homem semelha, - só ele canta
a sofrer . . .


Tasso Da Silveira
In: Poemas De Antes  

ATLÂNTICO





Este mar largo e longo, e denso e fundo,
venho-o singrando desde o instante grave
em que o avô marinheiro, em frágil nave,
se foi por ele a descobrir o Mundo.

Este mar me tornou mais bela e suave
a vida, e o sentimento mais profundo.
Nele encontrei do meu mistério a chave.
Todo o meu longo canto é dele oriundo.

Agora os ventos vivos da alegria
tombaram. Sobre as ondas, lenta e fria,
se estende a noite. E já meus olhos cegam.

Mas pela equória vastidão plangente,
à procura do porto inexistente,
meu desejo e meu sonho ainda navegam.

Tasso Da Silveira
Poemas De Antes

FONTE




A fonte pura e antiga
à sombra longa dos sicômoros,
que um dia comoveu a alma surpresa,
é fonte de consolo
ao que de longe a evoca e em sonho a vive
quando se alonga a sombra da tristeza.


Tasso da Silveira
in Poemas de Antes

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

XI



O pássaro
conhece o horizonte.
A redondez
da terra.
E a primavera que anuncia
no canto solitário.
E na espera.

O pássaro não sabe
que eu sei, solitário,
atrás da vidraça
estas coisas que ele sabe.

Mas o pássaro
sabe de coisas
que nunca saberei
atrás das vidraças.


Lindolf Bell
In Código das águas 







ALEGORIA DO DIA E DA NOITE




São dois cavalos de variado porte,
Cavalgando-os por sonhos, pesadelos,
Descubro o colorido de seus pêlos,
Atento aos pontos cardeais da morte.

Talvez ao branco, ao preto me reporte,
Levam-me (sem ouvir os meus apelos)
Aonde não sei. Quem poderá detê-los?
Assim talvez à ilha do sonho aporte.

Soam os dois quais músicas em dueto
E, ao vê-los, minhas lágrimas estanco,
Atos do herói que antes não fui – cometo,

Poemas de amor do coração arranco.
– Sou noite e morte no cavalo preto,
Sou dia e vida no cavalo branco.


Colombo de Souza
in Antologia Poética 

AS CHUVAS DA PRIMAVERA



Em breve virão as chuvas da Primavera,
As chuvas da primavera
Vão descer sobre os campos,
Sobre as árvores pobres,
Sobre os rios degelando.

As chuvas da Primavera
Cairão sobre os jardins perdidos,
Sobre os rosais desnudos,
Sobre os canteiros sem flor.

As chuvas da Primavera anunciarão
Os grandes dias próximos,
E a cantiga das águas escorrendo
Dos beirais
Nos dirá do tempo próximo,
Das primeiras flores,
Dos primeiros ninhos,
Das primeiras palpitações
Dos brotos,
Das esperanças,
Da vida que se insinua em tudo,
Nos ramos,nas penugens,
Nos céus limpos.

Em breve virão as chuvas da Primavera.
Os rios já estão degelando
O frio já não é tão mau.
Adormece, pois, meu amor,
E esquece este inverno,
Deixa que o sono te leve,
Como as águas levam flores
E folhas soltas.

Augusto Frederico Schmidt




O FIM DA SOLIDÃO



A borboleta amarela e preta 
Se agitava, dançava, tremia
Em torno do ser esguio, mortificado
Pelo frio do mundo.

Era já na hora indecisa, mas um sol
Retardatário manchava de ouro o chão sombrio.

Revejo a face escura e pálida
Manchada pelo líquen, pelo pó
Das velhas folhas.

Revejo o olhar inocente e duro
Subitamente surpreendido pela ternura,
O olhar prisioneiro do tempo cruel,
Tocado pelo amor, animado pelo espanto do amor,
O olhar de fugitivo do abandonado,
De repente vencido pela certeza de que
Findara sua longa solidão.

Augusto Frederico Schmidt




VAMOS: O MAR ESPERA...



Vamos: o mar espera e vai levar-nos
No seu dorso a essas ilhas suspiradas;
Vai levar-nos, nos nossos frágeis barcos,
Até onde sonhamos, lá bem longe...

Os caminhos do mar, hoje tão verdes,
Lembram campos em flor, que o vento leve
Faz ondular com as suas mãos macias.
Vamos, aos nossos barcos, marinheiros!

O momento chegou de, enfim, seguirmos
À procura das ilhas encantadas
Que estão adormecidas, entre as brumas...

Vamos rever as filhas dessas terras,
Essas flores morenas inocentes,
E nelas encontrar o esquecimento.


Augusto Frederico Schmidt
In ‘Um Século de Poesia’


MAR DESCONHECIDO




Sinto viver em mim um mar ignoto,
E ouço, nas horas calmas e serenas,
As águas que murmuram, como em prece,
Estranhas orações intraduzíveis.

Ouço também, do mar desconhecido,
Nos instantes inquietos e terríveis,
Dos ventos o guaiar desesperado
E os soluços das ondas agoniadas.

Sinto viver em mim um mar de sombras,
Mas tão rico de vida e de harmonias,
Que dele sei nascer a misteriosa

Música, que se espalha nos meus versos,
Essa música errante como os ventos,
Cujas asas no mar geram tormentas.


Augusto Frederico Schmidt
In ‘Um Século de Poesia’


terça-feira, 15 de outubro de 2013

O SEGREDO DOS PÁSSAROS



O coração conhece o segredo dos pássaros,
a ânsia de horizontes para além do horizonte.

O segredo dos pássaros é uma centelha
de luz rebuscando a simplicidade duma vida

imagens móveis que alargam o nosso chão,
apenas em memórias difusas de exiguidade
e fantasmas de veludo passando mãos inertes
sobre o nosso rosto.

Ou labaredas azuis duma tarde quente
e o fio dum arco-íris
em suas cores de transparência e frio.

O coração conhece o segredo dos pássaros
e o seu degredo.

E eu apenas recomeço os trabalhos
da simplicidade da minha vida
e reconheço a sua exiguidade
guiada por horizontes de bruma.


Vieira Calado






TRAVESSURAS DO TEMPO




Ronco
de trovões.
Coriscos
cruzam
a atmosfera.
Um clarão
morre
no além . . .
Vento
que balança
as arvores.
Pássaros
fugidios.
Pessoas
fogem
no tempo . . .



Delores Pires
In: A Estrela e a Busca

ENCANTAMENTO




A tarde jogou os seus sete véus luminosos
sobre a montanha,
e ficou toda nua dançando
com sombras de crepúsculo
a escorrerem-lhe, suaves, pela pele dourada...
...e ficou toda nua dançando
na campina
ao som da harpa encantada do silêncio...

Tasso da Silveira,
in As Imagens Acesas: Poemas

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

AS NUVENS




Nuvem, que me consolas e contristas,
Tenho o teu gênio e o teu labor ingrato:
Essas arquiteturas imprevistas
São como as construções em que me mato...
Nunca vemos, misérrimos artistas,
A vitória deste ímpeto insensato:
A um sopro benfazejo, que conquistas!
A um hálito cruel, que desbarato!

Nuvens de terra e céu, brincos do vento,
Vai-se-nos breve a essência no ar varrida...
Irmã, que importa? ao menos, num momento,

No fastígio falaz da nossa lida,
Tu, nas miragens, e eu, no pensamento,
Somos a força e a afirmação da Vida!

Olavo Bilac
In ‘Tarde’ (1919)

ÁRVORE



Árvore, ideia eterna
fulgurando no tempo,
milagre fluindo da fonte funda do silêncio.

Árvore, fecunda e casta,
exato destino,
aceitação infinita.

Árvore, pura e plena.


Tasso da Silveira
in Poemas de Antes

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O CANTO


Leve, breve,suave,
Um canto de ave
Sobe no ar com que principia
O dia.
Escuto, e passou...
Parece que foi só porque escutei
Que parou.

Fernando Pessoa






quarta-feira, 9 de outubro de 2013

VAZIO



Todo o mar nos meus olhos, e não basta!
Enche-nos mais uma lágrima furtiva ...
Neste banquete azul, há um só conviva
Farto e feliz.
É o céu, que se debruça sobre as ondas
Sem amargura.
É ele, que não procura
Por detrás da verdade outra verdade.
Serenamente, lá da eternidade,
Bebe e come
A imagem refletida do seu nome.


Miguel Torga
In Antologia Poética

POEMA DO VENTO



"Às vezes ouço passar o vento,
E acho que,
Só para ouvir passar o vento,
Vale a pena ter nascido"
Fernando Pessoa

Eu sou o vento
Que sacode as folhas das palmeiras,
Das árvores,
Dos salgueiros,
Que fustiga as ondas do mar.
Que entra pelas frestas das portas,
Das janelas.
Que chora nas noites de inverno.
Que varre as planícies e chapadões,
Que traz o frio consigo.
Arma-se em tempestades,
E movimenta as nuvens do céu.
Eu sou muitas vezes o ar,
Que ventila, areja e refresca,
Movimenta os cataventos.
Às vezes me torno arrogante.
Crio o vazio nas florestas,
Jogo as folhas secas no chão.
Outras vezes me torno suave,
Sou brisa, aragem,viração.
Sou também a borrasca,
Armo tormentas,procelas e temporais.
Brinco com a própria língua,
Abuso dos sinônimos.
Atiço o mar contra as rochas.
Torno-me vendaval.

Olympiades Guimarães Corrêa
- In Eterna Procura

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

DESEJO ESTÉTICO




A noite vem descendo ...
É a sombra de um mistério
que estende as asas no infinito do ar.
Na fímbria do horizonte,
qual branco lírio do jardim sidéreo
aparece o Luar.

Silêncio. A voz do sino
perdeu-se na amplidão. A sensitiva
reza, reza baixinho
para não despertar a patativa
que, entre as folhas do arbusto pequenino,
em doce embriaguez
dorme e sonha, talvez,
na volúpia do ninho.

O luar solitário
segue, tranqüilo, o curvo itinerário,
nas célicas regiões.
E eu sinto uma tristeza lancinante
ouvindo, a cada instante,
o adeus de nunca mais, das ilusões.

Passam auras em lânguidos queixumes,
doidejam pelo campo – os vaga-lumes,
o bosque emudeceu.
Só o rumor longínquo da cascata
repercute na mata
e a lua brilha no cetíneo céu.

Noite! Poema de estrelas! quem me dera
pelo azulado espaço,
entre as visões radiosas adejar
e, volvendo à remota primavera,
cingi-la, num supremo e longo abraço,
ao clarão do luar!


Emiliana Delminda
in Folhas Caídas















VERSO VÃO




Onda de sol, verso de ouro, 
perífrase vã. Extasiar-me, 
antes, por esta fusão, 
mistura de brilhos. 
Ou, ainda mais íntima, 
a consciência extensa como o céu, 
o corpo de tudo, 
semelhança absoluta. 
Respirar na quebra da onda. 
Na água, uma braçada lenta 
até ao limite de mim.


Fiama Hasse Pais Brandão






TUDO ESTÁ PREPARADO...



"Tudo está preparado para a vinda das águas.
Tem uma festa secreta na alma dos seres. 
O homem nos refolhos pressente o desabrochar.
Caem os primeiros pingos.
Perfume de terra molhada invade a fazenda.
O jardim está pensando... em florescer."

Manoel de Barros,
in Livro de Pré Coisas

HENRY DAVID THOREAU



“...Talvez os fatos mais estarrecedores e verdadeiros nunca
sejam comunicados de homem a homem.
A verdadeira colheita do meu dia-a-dia é algo de tão intangível
e indescritível como os matizes da aurora e do crepúsculo.
O que tenho nas mãos é um pouco de poeira de estrelas
e um fragmento de arco-íris.”

Henry David Thoreau,
in Walden ou a Vida Nos Bosques

TARDE AZUL



Minúscula, branca,
leve, sem rumor,
bóia no azul uma nuvem:
volve teus olhos e sente 
como em seu alvo frescor te conduz
feliz por entre sonhos azuis. 


Hermann Hesse
In: Andares

DESESPERANÇA



 
Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo.
Como dói um pesar em cada pensamento!
Ah, que penosa lassidão em cada músculo...
 
O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento
Que dá medo... O ar, parado, incomoda, angustia...
Dir-se-ia que anda no ar um mau pressentimento.
 
Assim deverá ser a natureza um dia,
Quando a vida acabar e, astro apagado, a Terra
Rodar sobre si mesma estéril e vazia.
 
O demônio sutil das nevroses enterra
A sua agulha de aço em meu crânio doído.
Ouço a morte chamar-me e esse apelo me aterra...
 
Minha respiração se faz como um gemido.
Já não entendo a vida, e se mais a aprofundo,
Mais a descompreendo e não lhe acho sentido.
 
Por onde alongue o meu olhar de moribundo,
Tudo a meus olhos toma um doloroso aspecto:
E erro assim repelido e estrangeiro no mundo.
 
Vejo nele a feição fria de um desafeto.
Temo a monotonia e apreendo a mudança.
Sinto que a minha vida é sem fim, sem objeto...
 
— Ah, como dói viver quando falta a esperança!

Manuel Bandeira
 
 












domingo, 6 de outubro de 2013

MAR DE MENINA



Havia um mar, 
e ali brotava uma ilha 
povoada de lobos e de pensamentos. 
Havia um fundo escuro e belo 
onde os náufragos dançavam com sereias. 
Havia ansiedade e abraço. 
Havia âncora e vaguidão. 

Brinquei com peixes e anjos, 
fui menina e fui rainha, 
acompanhada e largada, 
sempre a meia altura 
do chão. 

A vida um barco, remos ou ventos, 
tudo real e tudo 
ilusão.

LYA LUFT 
In Para não dizer adeus, 2005


sábado, 5 de outubro de 2013

PRAIA


 
Os pinheiros gemem quando passa o vento
O sol bate no chão e as pedras ardem.
 
Longe caminham os deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e brilhantes como peixes.
 
Pássaros selvagens de repente,
Atirados contra a luz como pedradas,
Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços.
 
As ondas marram quebrando contra a luz
A sua fronte ornada de colunas.
 
E uma antiquíssima nostalgia de ser mastro
Baloiça nos pinheiros.

 
Sophia de Mello Breyner Andresen
Coral
 


BIOGRAFIA


 
Tive amigos que morriam, outros que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil
Procurei-me na luz, no mar, no vento.
 
Sophia de Mello Breyner Andresen
Mar Novo
 

Antonio Callado



"São inúmeros os caminhos abertos neste mundo mesmo 
para quem caminhe descalço."

Antonio Callado, 
in "Prisão Azul"

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O TEMPO É OUTRO RIO



Quase sempre o tempo é outro rio,
uma música larga e possessiva, uma forma
de avidez lunar, de apetite cósmico
que não nos poupa nem nos ama.
Prefigura este rio todo o assombro
que o século e o instante
semeiam à passagem, não passando.

A ruga é o leito de outra água,
da que rasga e avassala, da que arqueia
o dorso do que escreve e do que espera.
Um relógio de quadrante guarda-se
para a contabilidade de outras horas
que não as do sono, que não as do pasmo.

Demora-se o rosto a ver-se envelhecer,
reverbero de lua mansa na areia
onde o corpo ancora e se faz casa.

O tempo é outro rio que passa largo,
ao largo da boca que o chama e se consome.


José Jorge Letria
In Percurso do Método.

QUANDO EU MORRER




Quando eu morrer o mundo continuará o mesmo,
A doçura das tardes continuará a envolver as coisas todas.
Como as envolve agora neste instante.
O vento fresco dobrará as árvores esguias
E levantará as nuvens de poesia nas estradas...

Quando eu morrer as águas claras dos rios rolarão ainda,
Rolarão sempre, alvas de espuma
Quando eu morrer as estrelas não cessarão de acender-se
no lindo céu noturno,
E nos vergéis onde os pássaros cantam,
As frutas continuarão a ser doces e boas.

Quando eu morrer os homens continuarão sempre os mesmos.
E hão de esquecer-se do meu caminho silencioso entre eles,
Quando eu morrer os prantos e as alegrias permanecerão
Todas as ânsias e inquietudes do mundo não se modificarão.
Quando eu morrer os prantos e as alegrias não permanecerão.
Quando eu morrer a humanidade continuará a mesma.
Porque nada sou, nada conto e nada tenho.
Porque sou um grão de poeira perdido no infinito.

Sinto porém, agora, que o mundo sou eu mesmo
E que a sombra descerá por sobre o universo vazio de mim
Quando eu morrer...


Augusto Frederico Schmidt
in Poesia Completa

EU VI QUE A NOITE DORMIA...



Eu vi que a noite dormia
escorada
nos arvoredos.

Manoel de Barros,
in Poesia Completa

MANOEL DE BARROS



Bom é
constar das paisagens
como um rio, uma pedra.

Manoel de Barros,
in Poesia Completa

MANOEL DE BARROS


As garças
quando alçam
se entardecem.

Manoel de Barros,
in Poesia Completa

MANOEL DE BARROS



Os girassóis têm
dom de auroras.

Manoel de Barros,
in Poesia Completa