quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

MEDITAÇÃO SOB A CHUVA



Estas águas banharam outras terras,
foram rios e lagos, foram mares,
nos céus flocos de espuma e depois chumbo,
relâmpagos, trovões e depois água.
E, no eterno girar do eterno ciclo,
o céu as verte sobre nós agora.
Como um jardim, uma árvore, uma ave,
a terra, a natureza, aqui, desnudo,
de suas bagas vou colhendo o sumo.
Possa, sob o seu signo, como outrora
e sempre, o estrume redimir-se em flores.
E eu possa, no bebê-las, compreender
a experiência milenar que bebo.
Vento, chuva, relâmpagos — matéria
contemporânea a todas as idades,
passageira de todas as viagens,
moradora de todas as paragens,
possamos compreender que, de ti feitos,
somos cosmopolitas por herança,
somos intemporais, se não na forma,
ao menos na substância.

Anderson Braga Horta
In Marvário (1976)


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